sexta-feira, 25 de maio de 2012

Caixa de Pandora

Qual a lição da Caixa de Pandora?


Os humanos foram abençoados/amaldiçoados com uma imaginação mais grandiosa do que aquilo que o mundo pode lhes oferecer!

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Que é Logocentrismo?


Filme "Amor, Estranho Amor".
  

Em uma conversa despretensiosa de dois amigos jovens (G e H), o assunto centra-se em Xuxa Meneghel, outrora conhecida como Rainha dos Baixinhos. Estando ambos na faixa dos vinte e sendo brasileiros, conviveram com a figura midiática da loira ao longo de suas vidas. As lembranças mais vivas são obviamente as polêmicas envolvendo a “animadora de criança”. O filme de caráter pedófilo e sua cena histórica, da moça oferecendo o peito para um menino brincar tornou-se referência para muitos, quando se fala em Xuxa.

Os dois amigos tratam de não quebrar esse padrão, afinal, o mais interessante em Xuxa é sua vida sexual. O resto que se foda! Eles teorizam que a Xuxa deve gostar muito de sexo porque desde cedo esteve em contato com ele. Essa imagem foi reforçada pela entrevista que a Rainha deu ao “Fantástico”, na qual conta que sofreu abuso quando púbere. G assistiu à entrevista, enquanto H apenas soube de sua existência.

E a conversa segue nesse tom. Na mente dos dois, a imagem da “Xuxa safada” reforça-se pelo vídeo “Ta duro, Mussum”, que ambos assistiram no YouTube. No vídeo Mussum dá uma encoxada em Xuxa e ela sente a jeba dele, afirmando que ela está erguida!

Falam de Pelé e Senna. A Rainha dos Baixinhos fornicou com o Rei da Bola e o Rei das Pistas (mas em momentos distintos). G diz ao amigo: “Só faltou o Rei do Pop” – A loira em um momento esteve atraída pelo astro Michael Jackson e desejava fazer sexo com ele.

A afirmação de G sobre a pretensão de Xuxa deixou H espantado e com a cabeça quente. “Quem gostaria de transar com aquele cara bizarro?”, H imaginou que Xuxa deveria ter algum problema mental para justificar esse seu interesse, talvez algo a ver com fetiche por “Reis”.

A surpresa e energia de H dedicada a essa “lombra” foi reforçada (talvez inconscientemente) pelo fato de G ter assistido à entrevista de Xuxa no Fanstástico e H não. Ou então H assumiu que G soube do fato por algum medium semelhante.

No dia seguinte, H descobre que a “lombra do Michael” foi veiculada por Gil Brother, em seu canal “Away Nilzer” do YouTube. Gil Brother é um doidão que pega vários assuntos circulando pela Internet e comenta de maneira peculiar, com uma grande dose de xingamentos e sermões, além de sua imaginação ter grande influência em como ele percebe o assunto.

H fica desconcertado ao perceber que Xuxa não queria transar com Michael. Algumas pessoas imaginaram isso apenas. Toda sua maquinação mental do dia anterior desperdiçada! O Gil Brother não é fonte alguma de conhecimento. Se G tivesse dito “o Gil Brother falou que...”, H gastaria bem menos energia com a informação dada.

Eis o logocentrismo: nós ocidentais valorizamos (inconsciente ou conscientemente) muito mais a simbologia das palavras quando elas têm uma referência no “mundo externo”, quando aquilo “existiu de verdade”.

Afinal, um filme de terror não dá mais medo quando é “baseado em fatos reais”?

sábado, 19 de maio de 2012

O que é modernidade?

Este texto foi escrito para dialogar com duas teorias que estão circulando por aí, sobre o que seria uma sociedade moderna. Resumindo ao máximo:
Modernidades múltiplas: tudo é moderno, temos que estudar as sociedades em suas particularidades e a causalidade histórica que a tornou aquilo que ela é hoje.

Teoria da modernização: a divisão tradicional (pré-moderno) e moderno ainda é relevante. Há uma série de aspectos culturais que já são globais, ou seja, compartilhados por várias sociedades devido ao desenrolar histórico direcionado ao desenvolvimento.

Vale muito a pena dar uma olhada no que a teoria da modernização considera "compartilhado". É bastante relevante!

Segue o texto:



Teoria da Modernização ou Modernidades Múltiplas?


Em um aparente confronto entre as postulações das duas teorias, há o problema da referência: ambas falam de coisas distintas. A teoria da modernização invoca uma visão dualista que dialoga entre as noções de tradicional e moderno para interpretar o mundo contemporâneo. Ela atenta para a convergência de certas características dividas por sociedades consideradas mais desenvolvidas, enquanto que aquelas menos desenvolvidas compartilham aspectos que as tornam mais tradicionais.  Entretanto, é tolice tomar sociedades como rigidamente “modernas” ou “tradicionais”. É mais contributivo pensar esses conceitos como ferramentas heurísticas de compreensão do fenômeno social. Os críticos da teoria da modernização muitas vezes ignoram o necessário laxismo que deve acompanhar o sujeito ao tratar de ciências humanas.
Já a teoria de modernidades múltiplas toma mundo contemporâneo e modernidade como sinônimos. No século XXI, o globo é composto por civilizações modernas, todas afetadas por um “longo período de modernização”. A modernização para essa teoria é um processo bastante antigo, que se refere basicamente à tomada de consciência de um sujeito que é agente político e continente de mudanças no destino social (o sujeito iluminista é o mais claro exemplo). Outro aspecto de relevância para a teoria é um estado-nação institucionalizado (por esse critério e uma dose de intransigência apenas a Antártida não seria moderna!).
Em uma direção oposta à teoria da modernização, os modernistas da multitude concentram-se na diversidade da gênese das culturas. Os “adversários” não negam essa diversidade, mas direcionam suas atenções na semelhança entre instituições, racionalidades e práticas que muitas sociedades compartilham.
Os “multi-modernistas” apareceram após a teoria da modernização já ter sido propagada no meio científico, mas não invalidou empiricamente suas idéias. Talvez tenham conferido um pluralismo semântico incoveniente à palavra “moderno” – poderiam ter usado outra palavra – que pode causar desagradáveis confusões na arena científica.
De cada uma delas pode-se aproveitar aspectos diversos. A teoria da modernização tem muito a oferecer ao relembrar que diversas sociedades possuem características compartilhadas, que explicam razoavelmente porque são tomadas como mais desenvolvidas. Um conjunto de fatores socioinstitucionais conceituado na teoria da modernização tem corroboração empírica com diversas realidades percebidas em certas sociedades. A noção de moderno trazida pelos seus teóricos é uma boa ferramenta de leitura do mundo, sendo útil para analisar eventos políticos, discursos e práticas de várias sociedades, além de orientar políticas governamentais. Seu uso como prisma teórico possui, evidentemente, limitações: é analítico, e não genealógico. É por si incapaz de traçar a gênese de práticas sociais “tradicionais” ou “modernas”, que é a trend da sociologia continental (e da brasileira).
No entanto é bom lembrar que a modernização não é apenas uma verve racionalista. As preocupações dos primeiros sociólogos – como Weber e Tönnies – envolviam as mudanças profundas que estavam acontecendo na sociedades com o caminhar da Revolução Industrial. Esses autores buscaram as conexões empíricas na passagem para uma nova forma de vida em várias sociedades – diga-se de uma “tradicional” para uma “moderna” – que se constituiu de mudanças no plano econômico (economia de mercado, propriedade privada), discursivo (racionalidade moderna, método científico), social (passagem da vida em comunidade para a vida em sociedade) e político (fixação do estado-nação como pilar politiconormativo, “dominação racional-legal”). Dessa forma, apesar de muitas vezes a idéia de modernidade associar-se a uma configuração socioinstitucional idealizada, ela também é reflexo de processos em andamento contínuo, que mudaram as formas de vida intensamente, principalmente a partir do século XIX.
A teoria das modernidades múltiplas é mais um nível de análise do que propriamente uma teoria, no sentido de que não fornece nenhum desvelamento conceitual novo para o terreno científico. Ela até vai em direção oposta ao desconstruir a dicotomia elaborada previamente, entre tradicional e moderno. Esse conjunto teórico não seria relevante, uma vez que o importante seriam as particularidades dos programas culturais reconstruídos incessantemente.  A idéia de modernidade seria contingente ao discurso próprio a uma determinada sociedade, e para compreender seu sentido é necessário imergir na genética cultural do grupo em questão. Os modernistas múltiplos buscam, portanto conectar a noção de modernidade a diversas visões de mundo particulares, seu significado estaria ligado a percepções subjetivas, possuindo várias facetas.  Uma de suas críticas freqüentes à teoria da modernização, como coloca Eisenstadt (p.139), é que:
seus teóricos assumiam, mesmo que só implicitamente, que o programa cultural da modernidade, tal como se desenvolveu na Europa, e as constelações institucionais básicas que aí emergiram, acabaria por dominar todas as sociedades modernas e em modernização, com a expansão da modernidade, viriam a prevalecer por todo o mundo
Atualmente, tal filosofia da história tornou-se mais ingênua e antiquada, ou pelo menos irrelevante, em relação ao seu entusiasmo em épocas mais antigas (os anos 50 do século passado, por exemplo). É realmente insensato julgar que a ambição política de uma multitude de povos é adotar a forma ocidental de estrutura social. Isso é presumido pela teoria da modernização, segundo Eisenstadt. Entretanto, ele está considerando o discurso político do qual se apropriou, por exemplo, o governo estadunidense e de certa forma a “mídia global”. Mas a teoria engloba aspectos mais relevantes para as ciências sociais, principalmente a convergência de estruturas de diversas sociedades, que vão muito além de arquiteturas políticas formais (como democracia representativa), perpassando certos elementos culturais gerais que impingem culturas locais, caracterizando a globalização.
A teoria da modernização possui, portanto uma dimensão política e uma dimensão científica. No plano político a utilizam como fundamentação para os valores que devem preencher o programa cultural de diversos Estados. Os formadores de opinião pública no Ocidente estão principalmente alinhados à idéia de que a agenda política de uma sociedade deve estar direcionada ao cânone ocidental para o desenvolvimento, que é a forma unilateral de alcançá-lo. Esse discurso está se esgotando progressivamente, com o esbatimento do impacto do fim da Guerra Fria (enfraquecimento do Consenso de Washington, por exemplo), e o estabelecimento de sociedades com programas culturais distintos do “Ocidental padrão”. Os diversos movimentos sociais (ecologista, feminista, gay, “Occupy”, etc.) em ascendência garantem uma prescrição política multifacetada ao redor do globo, e os horizontes políticos dos diversos Estados se divergem. Não é razoável pensar que as sociedades ambicionam uma configuração política racionalizada e determinada, como sugere o discurso político fundamentado pela teoria da modernização.
É neste quesito que os modernistas múltiplos confrontam a teoria da modernização. Eles atentam para a diversidade na composição das diversas identidades coletivas e programas culturais endêmicos, que pulveriza a idéia de um programa de desenvolvimento único. Modernidades múltiplas referem-se a percepções sociais múltiplas, de diferentes agendas políticas a serem estabelecidas. Neste paradigma, a idéia de hierarquia cultural é dissolvida, dada sua “irracionalidade”. As diversas identidades culturais são tratadas em seu caminho de reconstrução contínua, que adquiriu várias faces diferentes na era moderna.
A teoria das modernidades múltiplas desmistifica, portanto, o discurso político que se apropriou da teoria da modernização, dada a deslegitimação de uma hierarquia cultural previamente estabelecida. Mas a parte científica da teoria da modernização afirma justamente que a pluralização de programas culturais é elemento da modernidade! A descoberta do sujeito de que ele é capaz de moldar a ordem política vai progressivamente fortalecendo a individuação pessoal e o número de movimentos sociais, deslocando eixos tradicionais de diálogo político (como o estado-nação) para outros terrenos. Logo os pressupostos básicos dos modernistas múltiplos estão contidos nas tendências analisadas pelos teóricos da modernização.
Essa forte individuação pessoal é apenas um dos elementos compartilhados por várias sociedades contemporâneas que as caracterizam como modernas. Existem outros, como sistema de mercado e dinheiro, império da lei, educação universal e organização burocrática das instituições públicas e privadas que são compartilhados por todas as sociedades modernas. A eficiência na implementação de tais instituições é o que caracteriza o grau de modernização, segundo sua teoria. Essa conceituação não foi invalidada empiricamente pelos modernistas múltiplos, e continua sendo ferramenta importante de análise.  Volker Schmidt afirma que “não se pode tornar moderno e alcançar o Ocidente sem se estabelecer uma estrutura básica de sociedade que assemelhe-se à do Ocidente, porque essa estrutura é a verdadeira condição de sucesso do Ocidente” (p.163). Essa estrutura básica é minimizada pelos modernistas múltiplos, que focalizam em diferenças consideradas menos relevantes para os teóricos da modernização. Para estes, afirma Schmidt, as diferenças cruciais “tendem a ser aquelas que separam a sociedade moderna dos tipos pré-modernos de organização societária (...). Diferenças desse tipo, são amplamente ignoradas pela escola das modernidades múltiplas”. (p.166)
Compreender o quadro socioeconômico de um país estudando sua história cultural, traçando a causalidades que motivaram seu desenvolvimento particular é extremamente importante. Estudar a gênese dessa construção é bastante contributivo para o conhecimento, assim como comparar suas evoluções com as de outros povos. Uma abordagem não anula a outra. A teoria da modernização sai ganhando no quesito ciência por prover instrumentos conceituais importantes, desenvolvidos historicamente, enquanto a escola das modernidades múltiplas ainda está no início dessa sensível trajetória.


REFERÊNCIAS:

EISENSTADT, S. N. Modernidades Múltiplas. Revista Sociologia, Problemas e Práticas, nº 35, 2001, p. 139-163. Portugal.

SCHMIDT, Volker H. Modernidade e Diversidade: reflexões sobre a controvérsia entre teoria da modernização e a teoria das múltiplas modernidades. Revista Sociedade e Estado - Volume 26 número 2 Maio/Agosto 2011. P.155-183. UnB, Brasília, Brasil.