sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Folha de S. Paulo - Estatais aos pedaços / Coluna / Eduardo Giannetti


Os Donos do Poder é leitura obrigatória para quem quer entender a história sociopolítica brasileira - dou-lhe cinco estrelas. Um dos pontos importantes para a atualidade é a percepção do Brasil como pré-moderno, pois o irracional e contraditório tem força institucional. Nossas instituições podem parecer democráticas, mas são de fato representativas? Os políticos fazem o que o povo espera deles? O mesmo vale para o liberalismo, vivemos mesmo em uma economia de mercado? As empresas competem pela qualidade de seus produtos, ou por quais conseguem um melhor esquema com o poder público?

Se o projeto nacional em vigor é o da democracia liberal, estou convencido que ainda faltam alguns anos-luz até atingirmos um grau decente. Na prática vivemos uma oligarquia de grupos que se perpetuam no poder e impedem o desenvolvimento da sociedade civil: o Estado bloqueia a livre iniciativa, sustenta uma casta de privilegiados (altos funcionários públicos e grandes empresários), e assim vamos seguindo, com a reprodução desse padrão garantida pelo caráter de nossas instituições, que não valorizam a inovação e tampouco a competição.




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O paradoxo salta aos olhos. Temos um governo de perfil estatizante, cioso da sua orientação nacional-desenvolvimentista, mas que logrou a proeza de arrebentar nossas duas principais empresas estatais. Obra de raro descortino.
A Petrobras, orgulho nacional, não só perdeu a condição de apresentar um balanço auditado crível como será forçada a republicar balanços anteriores, corrigindo as baixas referentes ao pagamento de bilhões de reais --quem saberá ao certo?-- em propinas nos últimos anos (outro exemplo da máxima, atribuída a Pedro Malan, de que "no Brasil até o passado é imprevisível").
Já a Eletrobras, vítima da MP 579, de 2012, que antecipou a renovação das concessões de energia mediante a redução das tarifas, acaba de admitir que não disporá de recursos para pagar dividendos neste ano.
Além da queda do seu valor de mercado, com ações negociadas abaixo do valor patrimonial, a Eletrobras teve prejuízo de R$ 2,7 bilhões só no terceiro trimestre deste ano, o que inviabiliza a remuneração mínima de 6% prometida aos acionistas.
Os caminhos do inferno, é claro, diferem. A ruína da Eletrobras foi fruto das boas intenções do governo Dilma (o setor elétrico, aliás, teria sido o tema da dissertação de mestrado da presidente na Unicamp), ao passo que a devastação da Petrobras resulta, entre outras coisas, da ação articulada de profissionais: uma quadrilha de empreiteiros, burocratas, lobistas e dezenas de políticos que conferiu ao lema getulista --"o petróleo é nosso"-- inédito e inadvertido significado.
Mas existe um substrato comum a esses descalabros. Ambos refletem a deformação patrimonialista do Estado brasileiro --"o capitalismo politicamente orientado", no dizer de Raymundo Faoro em "Os Donos do Poder", que aportou por aqui com as caravelas, atravessou cinco séculos de história e foi alçado a novo patamar no atual governo.
As facetas do patrimonialismo relevantes nestes casos são 1) o microgerenciamento e a tutela do Estado sobre a atividade econômica, alterando regras e revendo contratos de forma arbitrária ao sabor de conveniências circunstanciais e 2) o condomínio do poder calcado na simbiose promíscua entre público e privado aliado ao loteamento de órgãos e empresas estatais como forma de cooptação política.
A probabilidade de existir corrupção aumenta à medida que os governos se envolvem em todos os meandros da economia. A debacle da Eletrobras e o escândalo da Petrobras chocam pela magnitude, mas estão em perfeita linha de continuidade com a atual recaída patrimonialista.
O Brasil carece de instituições que mantenham os cidadãos e a economia a salvo dos abusos, inépcia, venalidade e ambições dos donos do poder.
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