terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Poema de Bruno Latour

nós
não temos mais certeza
sobre o que
"nós"
significa:

parecemos
estar atados (por)
"nós"
que não se parecem com
nós sociais regulares.


Fonte:
http://dss-edit.com/plu/Latour_Reassembling.pdf
página 6.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Arte e ciência e o sublime

Um filósofo velho e inteligente (Kant) certa vez pensou que o cerne da arte estava na experiência estética. Há alguma coisa em nós que é ativada pela obra de arte, e nos torna por alguns momentos diferente. Esse efeito era a busca de quase toda a arte, pelo menos até o século XIX ou XX (não sei muito de história da arte).

O velhote chamou isso de "sublimação": o sujeito "sai de si" durante a experiência sublime, transcendendo as fronteiras da sua identidade e racionalidade, e forças inefáveis tomam conta dele.
Sublime assim é algo que desloca nossa individualidade para um plano secundário, e acentua o contato com o momento vivido: "enjoy the moment".

Pelo menos um tipo de arte (a épica? não sei o nome que dão) tem como objetivo produzir essa sublimação entre os apreciadores.

Mas, se a sublimação é um "sair da individualidade", ela tem muito a ver com ciência. Afinal, os cientistas ao trabalhar seguem regras determinadas, e desejam tirar ao máximo os vieses pessoais que podem danificar seus conhecimentos.Querem fazer algo que não valha somente para eles ou um grupo específico, mas para qualquer coisa encaixável nas suas geometrias analíticas.

O sublime está na arte como objetivo, assim como está na ciência como método. Viva!

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Weber é niilista?

Quando nos deparamos com os textos sociológicos de Weber, nos damos conta de uma profunda distinção que se cristalizou nos estudos sociais posteriores, e não apenas em sociologia, mas também em economia e ciência política. Os seres humanos e suas ações podem estar em dois planos. De um lado, temos o plano da lógica, da formalidade e dos grilhões do mundo físico. Aí se inserem os fatos e a racionalidade. Dentro dessa dimensão, os debates seguem os ditames da lógica e ciência (quer queiramos ou não).

Mas as coisas não são apenas questão de arranjar as peças de acordo com as regras que as acompanham. Afinal, a pergunta "quais são as regras?" nunca é gratuita. Fazemos um esforço criativo e existencial para dar origem a tais regras. E a primeira dimensão, da lógica, é subordinada a esta, a seletiva. Ela seleciona aquilo que é o caso, um ato do livre arbítrio por assim dizer, e só depois aparece o quadro a ser arranjado com as diversas peças criadas pelo ato seletivo.

O ato de seleção não é gratuito. Isso quer dizer que: 1) ou ele é sociocultural, e as determinações contextuais dos indivíduo o constrangem a fazer certas seleções (e é por isso que podemos falar que "todo conhecimento é político", já que forças nos impelem a tomar certas seleções ao invés de outras), e nesse caso a abstração da parte do todo é menor; 2) ou ele é existencial, e o pensador enxerga que as seleções são um "salto de fé", em si totalmente não fundável, mas que é parte constitutiva da vida humana.

Provavelmente a maior parte da humanidade se encaixa em 1. Isso quer dizer, muitíssimo grosso modo, que "as sociedades pensam por elas". São indivíduos receptáculos da cultura, que vivem com ela em consonância, e que aparentam fomentar sua continuidade no longo prazo.

Em 2, vemos o que se pode chamar de "mente moderna". Muitos pensam que isso sugere que ela é a mentalidade que substituiu a 1, na passagem da "Antiguidade à Modernidade". Mas seu poder não é tão amplo assim (infelizmente, creio eu), e talvez sua presença seja mais forte que a 1 apenas nos Estados Unidos e Europa Ocidental. O que ela tem de especial é sua capacidade de distinção, entre fatos e valores, e entre as próprias mentalidades distintas que estou mostrando aqui. Esse texto é um retrato da modernidade de que ele está tratando haha!

O niilismo, em Nietzsche (do qual Weber era fã), é tratado na citação de Vontade de Potência: 
- O que significa niilismo? – que os valores mais altos se desvalorizam. Falta a finalidade; falta a resposta ao “por quê?”

Weber, entendendo o caso, utilizou "valores" como ferramenta de análise sociológica, e mostrou que o mundo está povoado por uma infinidade de valores em constante atrito, o que caracteriza o grande leque de diferenças individuais e sociais. Valores não têm justificativa. São o que são, e no mundo moderno, são indiscutíveis, uma vez que não há critério científico (nem moderno), para hierarquizá-los. Face a eles, podemos apenas constatar que há um politeísmo de valores no mundo, uma "luta de opiniões".

Esse é o grande Weber, querido dos cientistas sociais razoáveis. Tomo partido dele, apesar de achar que não há partido algum, apenas lógica nesse caso. E é niilista? Em todo esse sentido, é sim, assim como a ciência. Não há ato seletivo de valores científico, nem cálculo de "melhor valor" ou algo do gênero. É um salto de fé, ou uma imposição sociocultural. Reconhecer isto é sim, em certa medida, ser niilista. E então, nós, raça moderna de razoáveis, ao pararmos para "pensar bem", constatamos o vazio das possibilidades, o existencialismo que sugere que temos uma montanha de escolhas e que viver é um processo seletivo, que corta vidas possíveis que vão sendo deixadas para trás. Mas, ao lado desse vácuo do livre arbítrio, temos o tudo das culturas e sociedades do mundo, da imensidão do céu que nos sugere que há mais valores entre ele e a terra do que sonhamos em qualquer ocasião. É o que movimenta a ciência. Em sociologia, a névoa perene dos valores, e de como se age em torno deles, movimenta as engrenagens que tornam essa disciplina uma construção de conhecimento.

(e viva o niilismo, que permitiu tudo isso!)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Burocaos (2)

Cenário: porões do Palácio do Planalto, acessados por um túnel secreto que parte do Palácio da Alvorada, residência da Presidenta. Uma sala limpa e iluminada, toda branca. Ao centro, uma maca com um corpo coberto por um lençol.
DILMA: Como está o procedimento?
NECROMANTE DA ABIN: Está tudo quase pronto, Excelência. O gel será aplicado pela manhã. O teste em ratos, como Vossa Excelência sabe, foi bem-sucedido. Semana passado realizamos o teste em um porco, com a mesma eficiência. Temos certeza de que também dará certo em um corpo humano.
DILMA: Ela era bem velha, e seu corpo já estava bem decomposto. Agora parece nova.
NECROMANTE DA ABIN: Usamos a pele de uma mulher de meia idade morta por um ataque cardíaco. Os órgãos são de uma mulher mais nova ainda, que teve um AVC. Não é problema, já que o cérebro é original.
DILMA: Ainda bem que fizemos aquele acordo com a Inglaterra. Essa ressurreição não poderia vir em melhor hora.
NECROMANTE DA ABIN: Devo alertar para possíveis falhas psicomotoras. O cérebro estava conservado no vinagre há anos. Os neurônios mais rasos podem estar danificados. Mas o funcionamento geral do corpo estará garantido pela aplicação do gel seguido pela descarga...
Entra um soldado com vestes pesadas de guerra e um fuzil na mão. Um capacete com vidro escuro esconde a metade superior de sua face.
SOLDADO: Senhor, a lancha está no aguarde.
NECROMANTE DA ABIN: Certo. Já estou indo, me espere lá.
SOLDADO: Sim, senhor.
O soldado sai.
NECROMANTE DA ABIN: Excelência, devo ir. Por favor, não fique ansiosa. Nossa equipe fez todo o possível para o Evento ser livre de imprevistos. Amanhã pela tarde ela estará viva novamente. E o melhor, mais nova do que esteve antes de morrer.
DILMA: Eu sei. Vi a qualidade orgânica dos ratos renascidos. Mas não há como esvaziar a ansiedade num momento desses. O país depende do sucesso do Evento. E se falhar...temo pelo derramamento de sangue.
NECROMANTE DA ABIN: Não vai falhar. Aposto minha vida. Agora, devo ir. Com sua licença.
O necromante sai da sala.

Dilma, antes de sair, resolve espiar o corpo que jazia sobre a maca. A cara estava muito boa, aparentando quarenta anos. Fizeram uma ótima reconstrução. Aquela noite passaria bem devagar para Dilma, na expectativa para a manhã seguinte. Do resultado do Evento viria a solução para o problema que incomodava toda a cúpula executiva da Presidenta. Uma massa de servidores públicos estava causando pânico nos mercados, suas demandas indigeríveis para a atual conjuntura. E não havia ninguém para enfrentá-los. A não ser ela, deitada morta nos subsolos Palacianos. 
Margaret Thatcher precisava voltar à vida.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Aforismas do pessimismo político

A Esquerda realista morreu. A última pá de terra foi jogada em 1991, com o fim da União Soviética. Não há mais alternativas universais para melhorar o mundo, como representou de fato a União Soviética por algumas décadas. Seus filhos não são nem um pouco universais, pontos casuais na geopolítica global. Cuba não tem mais apelo, e Coreia do Norte nunca teve. A China é governada por um partido comunista, mas é um dos países mais capitalistas do universo. Partidos de esquerda e direita não parecem diferentes em suas políticas, todos podem ser rotulados como social-democratas, diferindo no grau, mas não no gênero.

O Marx do socialismo científico está mudo. Antítese ao capitalismo, só na cabeça de alguns, mas com força política zero.

Isso não quer dizer que não há Esquerda. Claro que há. Mas é outra coisa, bem diferente do que fora até 1991 (ou um pouco antes disso). O conflito no Brasil é mais de modernos x antiquados. Movimentos sociais não universalistas, como LGBT, feminista, negro, maconha, etc. são tomados como de esquerda. Pessoas descoladas, anticapitalistas, com pouca malícia no discurso e na ação. Carregam fardos invisíveis da luta pelo mundo melhor, e sabem quem está a favor ou contra. Essa é a principal herança de Marx para essas pessoas: sugaram dele a dialética e o conflito de classes para imaginar um quadro bonitinho no qual rotulam pessoas como maus da direita e os amigos da esquerda. Sobre os primeiros, é melhor ignorar e apenas ressaltar sua direitice.

Modernos x antiquados? Menti. É apenas um fragmento do debate. Talvez mais importante seja aquele dos idealistas otimistas x realistas pessimistas.

É possível, nos anos 10, uma Esquerda realista? Um pessimista responde: "Mais um grupo lutando pelos seus interesses, em meio a vários outros com convicções distintas." Interesses particulares, carentes de um programa universal.

Resumo da ópera: bye-bye comunas, aproximem-se descolados. A Esquerda é vocês, agentes da modernização, defensores inconscientes da Constituição Federal.
Um pessimista ri.