quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Retrato de um assassino - Adam Lanza parte 1


No dia 14 de dezembro, sexta-feira, ocorreu mais um massacre seguido de suicídio nos Estados Unidos. No evento, morreram 20 crianças e o atirador matou também sua mãe.



Sobre o jovem Adam Lanza, de vinte anos, pouco se especulou. Ou melhor, se especulou muito em apenas uma direção. Psicólogos e criminologistas – na verdade a voz dada a eles na mídia – sugerem apenas que Adam tinha sérios problemas mentais e que não conseguiremos atingir os motivos que o levaram ao seu ato final polêmico, pois a racionalidade de Adam seria, no mínimo, torta.

Ora, não é preciso ir muito fundo na sociologia para perceber isso! Quando a sociologia estava no berço, Durkheim já falava em comportamentos doentios (patológicos) em sociedades, que seriam aqueles “exceção”, e não “regra”.

Ao arrotarmos alto no ônibus ou cometermos o ato de Adam Lanza, estamos agindo como doentes sociais, obviamente em graus muito distintos.

Agora, desejo sugerir uma visão mais profunda e especulativa sobre Adam, calcando em dois conceitos usados na sociologia: anomia e ambivalência dos sentimentos (algo retirado da psicanálise, e aproveitado principalmente pela sociologia clínica).

Adam Lanza foi retratado pelos colegas como um rapaz extremamente tímido, que não conversava com ninguém e mal podia olhar nos olhos de outros. No grupo escolar, ele não era percebido pelos outros: não atraía a atenção e não era coagido a fazê-lo. Ele talvez pudesse ter uma infinitude de desejos frustrados, vontade de beijar as meninas, de ser um cara bacana e divertir os outros. Ou achar aquilo tudo – a “vida jovem” – algo chato e sem apelo, as pessoas sendo marionetes de um estilo de vida sem cor nem sabor. Uma outra alternativa (e bem possível se tratando de um jovem) é a ausência de reflexão sobre sua situação: Adam nem pensava em sua identidade, apenas “chegou lá”.

Adam Lanza cometeu o atentado em uma fase crucial para jovens: o pós-escola. Nessa fase costuma-se acentuar reflexões sobre nossa identidade, e o sentimento de “o que faço me define” fica mais agudo. Adam pode ter começado a pensar mais nesse assunto, e não ter visto grandes perspectivas: ao invés de seguir com uma vida que não iria lhe conceder muito (ele podia ter expectativas altas demais, ou nenhuma), preferiu ter um “fim magistral” e ficar marcado na história, mesmo negativamente.

A anomia aparece aqui de três formas: na vida silenciosa de Adam, na sua decisão de morrer e na sua decisão de matar vários, inclusive crianças, antes de seu óbito. A anomia é o sentimento de não pertencer a sua sociedade, mas que reflete a “inação” desta em puxar os indivíduos para dentro! Ou seja, a própria forma de funcionar da escola abre espaço para haver indivíduos como Adam.

Ao querer morrer, Adam não viu nada bom o suficiente para se desejar a permanência na Terra: se desconectou das coisas que geralmente são valorizadas e impulsionam o apreço à vida. Nesse caso, o mais visível sintoma é o assassinato de sua própria mãe e de crianças (seres inocentes). A anomia nesse caso foi intensa? Se normalmente seu sintoma é o suicídio, a que corresponde o massacre?

(continua) 

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Dylan e Deleuze: uma filosofia do rock (star)



O Daniel Lins gosta mesmo de Deleuze! Sua filosofia circula pela cosmologia da "vontade de poder" de Nietzsche: tenta encarnar o momento histórico e a conjuntura vivida por um sujeito para reviver a situação no discurso filosófico.

Bob Dylan aparece então como uma Alma, uma Consciência, um Livro de muitas páginas. O que ele fez é revivido nas palavras que invocam o poder do sujeito em agir em determinação, em uma conjuntura que apenas ele conhece (ou sente), mas que pode ser revivida pelos poderes das palavras!

(momento Deleuze? faltou criatividade.)

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Fatos Sociais - “Trote na Universidade de São Carlos”


Émile Durkheim cunhou o termo "fato social"

Semanas atrás um amigo me contou uma história que achei um belo exemplo do funcionamento do que Durkheim chamou de “fato social”. Ele em seus escritos deixou bem claro, assim como outros como Parsons o fizeram depois, que existem três dimensões constitutivas do homem: a biológica, a psíquica e a social. Parsons colocou mais uma, a cultural, mas que para meu propósito pode ser juntada com a dimensão social. Com isso, quer-se dizer que orientamos nossas ações em relação a três coisas:
- nosso corpo (comer, ir ao banheiro, dormir)
- nossa cabeça (vontade de sair tomar uma cerveja, pensar no próximo movimento do jogo de xadrez, lembrar de ligar pra namorada)
- nosso ambiente (nossos costumes, nossa economia)

A sociologia se preocupa com a última (pelo menos antigamente, hoje ela mistura tudo): com o homem em relação a sua sociedade, o que esta altera naquele e vice versa. Claro que isso é bem complicado, tem muitas variáveis em jogo. Mas voltando a Durkheim, ele chamou de “fato social” tudo aquilo que exerce influência no homem e sua maneira de agir e pensar, e que vem de fora, de sua sociedade.
É genial refletir que muito do fazemos é de caráter “Maria vai com as outras”, não é mesmo? Quanto será de nossos prazeres, nossos gostos, nossos interesses, nossos objetivos e crenças de vida, nossos entusiasmos, nossas tragédias, nossas motivações e nossas ações existem por causa das outras pessoas? Para a sociologia, é impossível caracterizar o homem sem estar em relação com outros homens.
E o caso da UFSCar mostra isso de forma impressionante:
Em um belo dia de trote de um curso qualquer, os veteranos tramaram o seguinte: foi feita uma fila de calouros em frente a um banheiro público da universidade. Entrava um por vez no banheiro, e lá dentro os veteranos ordenavam: “Coloque sua cabeça dentro da privada e dê descarga”. Obviamente, o primeiro da fila protestou em frente à situação absurda. Os veteranos então lhe pediam: “Ok. Molhe sua cabeça aí na pia, e saia com cara de puto”. A situação se repetiu com os três seguintes da fila, que saíram com a cabeça molhada e parecendo bravos, mesmo sem terem se banhado na privada. Incrivelmente (ou não), os próximos da fila passaram a achar normal enfiar a cabeça na privada e dar descarga, e assim fizeram. Ninguém mais questionou (ou poucos o fizeram)!
Eis o fato social agindo: porque os outros fizeram, um comportamento antes mórbido, doentio, patológico, passou a ser considerado aceitável, normal, sadio. 


CORREÇÃO: como fiquei sabendo, o caso não foi na UFSCar, mas na USP - Ribeirão.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Texto científico e texto político

O que dá um tom científico a um certo texto (doravante chamarei de mensagem) ? E o que o torna "político"? Para responder, convém imaginar as duas noções como tipos: uma mensagem pode conter os dois elementos em intensidades diferentes. O que será explicado a seguir deve estar acompanhado da ciência desse caráter de tipo.

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Uma mensagem científica é aquela que planeja ser igualmente válida para todos. O emissor da mensagem científica intenciona transmitir significados que, dentro de seu quadro de referência (isso é muito importante), possam ser compreendidos e aceitos por aqueles com o mínimo necessário de inteligência. 

Quadro de referência: entender uma mensagem científica exige situá-la em um contexto maior que poderíamos chamar de rede de mensagens, que interagem entre si anulando o significado das outras e conferindo um significado particular a si mesma. Qualquer coisa, para fazer sentido, precisa invocar essa rede em que se encontra. Uma das redes principais, costumamos chamar de linguagem.

Exemplo: a água, na química, é chamada de H2O. Para que faça sentido chamar a água de H2O necessitamos invocar, ao menos parcialmente, o quadro de referência (composto por símbolos, códigos, conceitos, etc.) da química. Esse quadro pode até estar relacionado com outros quadros, como o do idioma (latim, português, grego, etc.), o da matemática, da biologia, da física, etc.

O que importa é, julgar alguma mensagem como científica invoca necessariamente relacioná-la com o "ambiente semântico" em que ela está enquadrada, a rede de mensagens que utilizam o mesmo quadro de referência, e sem extrapolar o campo. Daí vem muitas críticas às mensagens científicas: de raciocínios que envolvem um determinado conteúdo científico com quadros de referência que não lhe pertencem (o "mundo real" é a referência mais comum na hora de extrapolar!)

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A mensagem política é aquela que expressa uma convicção, crença ou opinião que causa divergências quanto a sua validade.  Mesmo que seu emissor acredite que está expressando a “verdade”, ou em outras palavras uma mensagem científica, a existência de divergências já mostra que há uma cor política envolvendo o assunto.

Tais divergências não necessariamente encobrem apenas o conteúdo da mensagem, mas podem envolver o continente (aquilo que contém o conteúdo, ou seja, o mensageiro). Por exemplo, quando um candidato a reitor discorre sobre problemas que estão abalando sua universidade, pode-se questionar a qualidade de tais problemas, uma vez que o candidato pode estar sendo estratégico, “manipulando os fatos para benefício próprio”.

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 Como eu disse no início, as duas características se entrelaçam em muitas mensagens. De certa forma, toda mensagem científica tem um tom político, ao menos em seu passado: sua validade ao menos em um momento exigiu a construção de um consenso sobre seu quadro de referência. Isso reflete a situação existencial humana, na qual nós temos que “criar essências” para nortear nosso dia a dia.

A política precede a ciência, mas quanto mais civilizados somos, mais apaziguada é essa precessão.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A função política das ciências sociais

A utilidade política da produção científica nas humanidades é construir um conhecimento:


1. Para que a esquerda pense: "Viu, está tudo errado, precisamos melhorar!"

2. Para que a direita afirme: "Não falei que as coisas são assim?"

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Pierre Bourdieu mostrando inteligência

               O ultrarradicalismo de uma denúncia sacrílega sobre o caráter sagrado da ciência, que tende a lançar suspeita sobre todas as tentativas de fundar, ainda que sociologicamente, a validade universal da razão científica, leva naturalmente a uma espécie de niilismo subjetivista:  assim é que o princípio de radicalização que inspira Steve Woolgar e Bruno Latour os leva a forçar até o limite ou reduzir ao absurdo análises  que, como aquelas que propus há mais de dez anos, esforçam-se por escapar  à alternativa entre o relativismo e o absolutismo. Lembrar a dimensão social das estratégias científicas  não é reduzir as demonstrações científicas a simples exibicionismos retóricos; invocar o papel do capital simbólico como arma e alvo de lutas científicas  não é transformar a busca do ganho simbólico  na finalidade ou na razão de ser únicas das condutas científicas; expor a lógica agonística  de funcionamento do campo científico  não é ignorar que a concorrência não exclui a complementaridade ou a cooperação e que, sob certas condições,  da concorrência e da competição é que podem surgir os 'controles' e os 'interesses de conhecimento' que a visão ingênua registra sem se perguntar pelas  condições sociais de sua gênese.

BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: Sobre a teoria da ação. Papirus Editora, 2011, p. 86.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O ensinamento de Wittgenstein

Todas os problemas da humanidade são problemas de linguagem, e nada além. 

Se não fosse ela (linguagem), as coisas iriam simplesmente acontecer, o tempo passaria e tudo mudaria uma hora ou outra.

A filosofia é uma terapia nesse sentido: ela serve para nos recordar de que nos acostumamos demais com a linguagem e o que tiramos dela, a ponto de tornar tais coisas leis substanciais da realidade ou pelo menos algo de relevância. 

Depois de perceber que nós temos tal atitude quase que constantemente, podemos perceber que há um espaço para "relaxar", o da não-linguagem. Se não estamos relaxados nesse espaço, é que alguma coisa do mundo externo nos incomoda (ou temos alguma doença). 
Aí usamos bastante a linguagem!
Contudo a interação entre ela e os sinais externos é bastante turva e nunca li nada sobre isso, apesar de querer um dia.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Cândido - Voltaire Cap. XXII

Cândido e o sábio sofrido Martinho vão ao teatro em Paris, a convite de um abade. Cândido chora muito com a tragédia encenada, mas o abade lhe diz que não cabe chorar pois os atores são muito ruins, assim como o enredo. Eis o que segue:

" - Senhor, quantas peças de teatro há na França?, perguntou Cândido ao abade, que respondeu:
- Cinco ou seis mil.
- É bastante, comentou Cândido. E quantas são boas?
- Quinze ou dezesseis, replicou o outro.
- É bastante, disse Martinho."

hahahahahahahaha

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Iraque: resumo da ópera

Chegaram lá, destruíram tudo e foram embora.


Impossível afirmar que o Iraque hoje está melhor do que estava com Saddam. Obrigado Ocidente...

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Frase que bolei (muito boa)

"Deus está morto."

- A arma que o matou hoje ocupa seu lugar!

¿Perderá sus valores tradicionales la nueva clase media brasileña?

Texto interessante, de um blog do jornal espanhol El País.


Clique aqui para ver no original.


  Por: Juan Arias
Millones de ex pobres están llegando al puerto de la clase media en Brasil. Y existe una preocupación. Esa nueva clase media baja, que por primera vez puede acceder a los bienes esenciales de consumo, ¿conservará los valores que siempre caracterizaron a la vieja clase media tradicional?
Se dijo siempre, que la clase media brasileña era, en el mundo de los valores, mejor que sus políticos y por supuesto, mejor que el 5% de ricos que acumulaban el 90% de la riqueza del país.
Ahora, sin embargo, en Brasil existe un fenómeno nuevo: 30 millones han pasado de la pobreza, de no tener nada, ni gas para cocinar, ni nevera, ni televisión ( en muchos pueblos aún se la tiene que ver en las plazas públicas), ni moto, ni estudios, a una posición más humana.
La pregunta, sin embargo, que preocupa y angustia a sociólogos y psicólogos así como a los formadores de opinión, es qué valores empieza a revelar esa nueva clase media, fascinada por el consumo de bienes de los que nunca pudo disfrutar.
Para poder responder a esa pregunta es necesario hacer una anterior: ¿cuales eran los valores de la clase media brasileña, que para cierta izquierda era sólo expresión de una cierta burguesía, que había renegado de los llamados “valores del proletariado”?
Según ha escrito Marcos Aguines, en el diario La Nación de Argentina, las clases medias de América Latina, al revés de algunas europeas, comenzaron, tanto en el campo como en la ciudad, a crear valores que se apoyan en tres culturas: “la cultura del trabajo, la cultura del esfuerzo y la cultura de la honradez”.
La cuestión es si hoy esas nuevas clases medias, que en realidad son familias que han salido de la extrema pobreza y aspiran a ser clase media, van a heredar esos valores fundamentales de la vieja clase media o si, acabarán perdiéndolos contaminados por la cultura de una política y financiera cada vez más degradada en su función ética, donde lo que resalta es la corrupción, la ganancia fácil e ilícita, la ausencia de ética, en una palabra.
Según el sociólogo brasileño, Fernando Henrique Cardoso, a pesar de que la nueva clase media, con mayor acceso a la información se da cuenta de que la política “es cada vez más un juego en el que todo vale, en el que la moral cuenta menos que el resultado”, es posible y deseable que continúe con sus valores de ayer, estimulada por la enseñanza, los medios de comunicación y los valores típicamente familiares.
Según Cardoso, Brasil ha mantenido en su clase media, la cultura heredada de los emigrantes que dieron ejemplo de “esfuerzo en el trabajo” para preparar una vida mejor para sus hijos. Ellos hicieron realidad el hecho de que el dinero se gana con sudor, con esfuerzo y con honradez y no con el robo y la corrupción.
Hay quien pueda ver en estos tres pilares de la clase media brasileña: trabajo, esfuerzo y honradez, valores conservadores por hacer parte de un patrimonio tradicional.
Sin embargo, considerados los tiempos en que vivimos, en los que los políticosy financieros se jactan de enriquecerse sin esfuerzo y no tienen escrúpulos en hacerlo hasta apoderándose del presupuesto para la merienda de los niños de las escuelas pobres, es difícil tachar de conservadores a quienes aún creen en la honradez que les enseñaron sus padres y que creen que no es cierto que todos tenemos un precio.
Hace tres días, dos mendigos que viven en la calle en Sâo Paulo entregaron a la policía una bolsa con 20.000 reales (unos 8.000 euros) encontradas en el suelo, abandonada por unos asaltadores.Y en el momento en que escribo este post,  el famoso senador Demostenes Torres, acaba de perder su escaño acusado de haberse enriquecido con sus connivencias con un empresario de juegos ilícitos.
No me cabe duda que la clase media, la vieja y la nueva, está más cercana, a los valores de la pareja de mendigos, que a la del senador estafador y corrupto.

A solução para o Paraguai

Nessas últimas semanas andamos vendo o controverso processo de impeachment que destituiu do cargo Fernando Lugo. Em uma votação fácil, Senado e Câmara resolveram tirá-lo da presidência.

Foi algo mais ou menos como "não quero você aqui, tchau" . As justificativas para a ação não foram muito razoáveis e nem deram tempo para Lugo preparar uma defesa.

As coisas seriam mais fáceis se o sistema de governo fosse o parlamentarismo. No caso paraguaio, não seria possível Lugo ser mandatário sendo que seu partido não tem força nenhuma no Legislativo.

Ao menos assim as pessoas possam entender que para a política funcionar deve haver um mínimo de coordenação entre Executivo e Legislativo!

Como escreveu Lourival Sant'Anna para o Estadão: a democracia paraguaia "foi atropelada, uma vez que o presidente não teve oportunidade de defender-se e ficou claro que perdeu o mandato apenas porque não tinha apoio no Parlamento. O que é natural no parlamentarismo não é suficiente no presidencialismo."

Talvez possamos inculcar essa verdade óbvia na cabeça dos eleitores ao mudarmos para o parlamentarismo. Assim teríamos menos populismo e uma maior fluidez Legislativo - Executivo.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Porque ser contra a greve

As recentes manifestações do sindicato do Itamaraty, em conjunto com uma série de outras entidades, em prol de uma campanha salarial (com possíveis greves) mostra o labirinto social em que se localiza o Brasil. No grupo dos “trabalhadores”, temos uma parte com um sindicato forte, que se mobiliza com organização, efetua greves e consegue respostas do governo central às suas demandas. Os outros trabalhadores, em comparação àqueles, são marginalizados pelas dificuldades em se organizarem, trabalham mais horas e têm menos autonomia e possibilidades de escolha do que fazer com suas vidas. A diferença salarial entre os grupos é expressiva. Essa desigualdade é legitimada pelo valor da meritocracia. Mas pouca atenção é dada ao fato do grupo menos favorecido ter menos vantagem nessa competição.

Nos últimos dez anos, poucas medidas foram eficazes em reduzir essa desigualdade de competição: na querela principal, o fosso entre a qualidade do ensino público e privado é grande. Para os grupos subalternos, a necessidade de trabalhar muitas vezes impede o processo educacional.
 E a maior parte da euforia do crescimento, da melhoria da qualidade de vida, que o brasileiro vivenciou no século XXI decorreu, temo dizer, de uma melhoria da conjuntura externa (fatores econômicos favoráveis) aliada a uma política fiscal mais rígida (cristalizada na Lei de Responsabilidade Fiscal).




 As políticas econômicas do PT seguiram uma prescrição ortodoxa, ao terem ligações róseas com o comércio internacional e não representarem ruptura com o modelo anterior (mas tiveram mais respeito com o patrimônio nacional). Não houve investidas redistributivas.
 Podemos sintetizá-las no que disse Lula a respeito de seu governo: “Os pobres ficaram menos pobres, e os ricos não ficaram menos ricos”.
 Mas ao que tudo indica, esse modelo de crescimento baseado no comércio exterior está se esgotando. A conjuntura internacional está bem pior do que há dez anos. E não parece que irá melhorar. O crescimento deverá se fundamentar em uma melhoria de questões como infraestrutura, produção e consumo interno. O Brasil deve se voltar para dentro e dialogar com problemas seculares (desde a época colonial importamos coisas que poderiam ser produzidas aqui).
Para o grupo de trabalhadores menos privilegiados, esse crescimento é o único horizonte à vista de uma melhoria na qualidade de vida. Em longo prazo, entre as várias gerações, é a única esperança atualmente visível para uma redução na desigualdade.
Mas para atingi-lo agora, parece ser necessário uso mais parcimonioso do dinheiro público, para garantir investimentos essenciais. Um uso desse dinheiro para garantir mais benfeitorias aos trabalhadores mais abastados iria de encontro à difícil tarefa de reduzir a desigualdade no Brasil.

O que é Corporativismo no Serviço Público?

Quando se fala que o serviço público brasileiro (federal principalmente) é corporativista, significa que suas atuações, preocupações e demandas profissionais estão centradas em um grupo menor do que deveria estar. Na maior parte dos casos o grupo menor é a classe profissional e o grupo maior (tratado à revelia) é a sociedade brasileira.


Isso significa, por exemplo, que lutas sindicais por aumento de salário são vistas como "essenciais para o Brasil/qualidade do trabalho/honra do servidor/etc", e no entanto podem ter o efeito contrário na saúde econômica, e por consequência, social da nação!


O processo é muitas vezes inconsciente, como mostra o discurso dos sindicalistas e grevistas do serviço público federal.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

O que é uma lombra parte 2

"Pô cara, você tá curtindo lombra!"


No post anterior eu discuti o que seria uma lombra. Entretanto discorri apenas sobre seu viés positivo , o contexto de lombra agradável. A palavra pode ser usada também em sentido negativo, segundo a equação:

Lombra = Expectativa 'a' em relação a um evento 'x' + redirecionamento do evento 'x' por um caminho 'não-a' por um determinado objeto.

Exemplo:
1. Pedro Bola deseja uma Antartica , e pede para Madolfo (o objeto) ir buscá-la.
2. Bola espera que Madolfo vá até a geladeira e pegue uma Antartica (expectativa 'a' em relação a um evento 'x')
3. Madolfo vai até a geladeira (evento 'x'), mas traz uma Kaiser (redirecionamento que contraria a expectativa 'a').
4. Ao receber a Kaiser, Bola inconformado resmunga: "Porra lombrou hein véio!"


Existem mais nuances nessa lombra, que espero um dia esclarecer. (poxa acho q acabei de encontrar um sentido que não se encaixa nem no sentido do post 1 nem no sentido desse post! )

quinta-feira, 21 de junho de 2012

O que é uma lombra?

Finalmente cheguei à equação que disseca o que é uma lombra. Segue:

Lombra = Logocentrismo + quebra do logos vigente com valência positiva.

Elaborei em um outro post o que seria logocentrismo. No texto afirmei que seria a tendência em pensar o discurso da filosofia e ciência, baseado na lógica e razão, como superior a outros, como da literatura e arte.

Mas há outro <<sentido>>, o da tendência em se acomodar por um determinado estado de espírito em uma dada conjuntura, sentindo dificuldades com ondulações desse estado. Nessa visão, lógica ou logos assume o sentido de sistema de signos, quadro de referência, estrutura semiológica ou qual seja o nome que se dê àquilo que está no cerne da ideologia pós-estruturalista:

O sentido de qualquer coisa, ou qualquer forma de conhecimento, só é possível em relação a outras coisas dentro de uma estrutura 'x'. Os objetos dentro de 'x' interagem mediante um logos 'y'.


Linguagem e todo o conhecimento derivado dela, experiências religiosas, só têm sentido mediante um enquadramento em uma estrutura!


O melhor exemplo de como o logocentrismo age nesse sentido é no nosso período pré-sono: quando estamos quase dormindo, ficamos em um estado tranquilo, submerso em pensamentos. Se tomamos um susto, é difícil voltar logo para a tranquilidade!

E o que isso tem a ver com lombra? Tudo, porque a lombra é aquilo que é "inesperado e bom". Pronto resumi. [me submeti a ser mal-interpretado, mas tudo bem...]

Inesperado = quebra do logos vigente

Bom = valência positiva





quarta-feira, 13 de junho de 2012

O budismo de Nietzsche

Não leve as coisas muito a sério, pois o tempo destrói tudo!

Essa frase tanto Nietzsche quanto um bom budista haveria de concordar.

A diferença é que as prescrições éticas de Nietzsche são mais burguesas (do âmbito do negócio), e as budistas mais camponesas!  (do âmbito do ócio)

Há um texto muito bom sobre Nietzsche e budismo no site Orientalia.  Ainda vou traduzi-lo!

terça-feira, 12 de junho de 2012

Frase de Santo Agostinho sobre política - tem mais de 1500 anos...

"Assim, a cidade terrestre que não vive da fé aspira à paz terrena e o fim que ela atribui à missão da autoridade e da sujeição, entre cidadãos, é que haja, quanto aos interesses desta vida mortal, um certo concerto das vontades humanas."


Não mudou muito de lá pra cá. A política é a arte de apaziguar conflitos!

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Resumo da Rio+20

Os meios justificam os fins.


É uma grande rotação retórica essa narrativa de Rio+20. Gira-se até ficar tonto. Quem quiser mergulhar no sentido aparente da história, a questão da sustentabilidade, ficará com a cabeça na areia. Basta olhar para a loucura ambígua que dispõe o evento:

Uma economia sustentável deve, necessariamente, pressupor uma sociedade civil sustentável. Isto é, as práticas ecológicas devem permear o mundo das massas, não bastando restringir-se à elite. Atenção ao termo "sociedade civil": onde ela não existe, não há preocupação ecológica, devido ao baixo consumo.

Mas qual é o evento organizado pela sociedade civil? A Cúpula dos Povos , que ocorrerá quase sincronicamente com a Rio+20. Enquanto a Rio+20 é uma iniciativa basicamente de governos e ONU, a Cúpula partiu de ONGs e outros movimentos menos alinhados ao poder do Estado.

Na mídia, toda a atenção é dada à Rio+20, que tem um investimento altíssimo e contará "com mais de 100 Chefes de Estado".

Chegamos ao resumo da ópera: "os meios justificam os fins". A honrada patifaria que encenarão os atores de Estado na Rio+20 darão combustível para o grande fanatismo de racionalismo que dispõe a ideia de sustentabilidade atualmente.Chamo assim porque ela claramente está aquém de questões muito mais prioritárias para os Estados, sendo muitas vezes adversária destas (vide caso Belo Monte).

Rio+20 organizada por Estados. Sustentabilidade será imposta de cima para baixo? Tolice pensar nisso, com esse Sistema Internacional rolando por aí... os meios justificam os fins, os lamentáveis fins que ficam acima dos panos!

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Caixa de Pandora

Qual a lição da Caixa de Pandora?


Os humanos foram abençoados/amaldiçoados com uma imaginação mais grandiosa do que aquilo que o mundo pode lhes oferecer!

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Que é Logocentrismo?


Filme "Amor, Estranho Amor".
  

Em uma conversa despretensiosa de dois amigos jovens (G e H), o assunto centra-se em Xuxa Meneghel, outrora conhecida como Rainha dos Baixinhos. Estando ambos na faixa dos vinte e sendo brasileiros, conviveram com a figura midiática da loira ao longo de suas vidas. As lembranças mais vivas são obviamente as polêmicas envolvendo a “animadora de criança”. O filme de caráter pedófilo e sua cena histórica, da moça oferecendo o peito para um menino brincar tornou-se referência para muitos, quando se fala em Xuxa.

Os dois amigos tratam de não quebrar esse padrão, afinal, o mais interessante em Xuxa é sua vida sexual. O resto que se foda! Eles teorizam que a Xuxa deve gostar muito de sexo porque desde cedo esteve em contato com ele. Essa imagem foi reforçada pela entrevista que a Rainha deu ao “Fantástico”, na qual conta que sofreu abuso quando púbere. G assistiu à entrevista, enquanto H apenas soube de sua existência.

E a conversa segue nesse tom. Na mente dos dois, a imagem da “Xuxa safada” reforça-se pelo vídeo “Ta duro, Mussum”, que ambos assistiram no YouTube. No vídeo Mussum dá uma encoxada em Xuxa e ela sente a jeba dele, afirmando que ela está erguida!

Falam de Pelé e Senna. A Rainha dos Baixinhos fornicou com o Rei da Bola e o Rei das Pistas (mas em momentos distintos). G diz ao amigo: “Só faltou o Rei do Pop” – A loira em um momento esteve atraída pelo astro Michael Jackson e desejava fazer sexo com ele.

A afirmação de G sobre a pretensão de Xuxa deixou H espantado e com a cabeça quente. “Quem gostaria de transar com aquele cara bizarro?”, H imaginou que Xuxa deveria ter algum problema mental para justificar esse seu interesse, talvez algo a ver com fetiche por “Reis”.

A surpresa e energia de H dedicada a essa “lombra” foi reforçada (talvez inconscientemente) pelo fato de G ter assistido à entrevista de Xuxa no Fanstástico e H não. Ou então H assumiu que G soube do fato por algum medium semelhante.

No dia seguinte, H descobre que a “lombra do Michael” foi veiculada por Gil Brother, em seu canal “Away Nilzer” do YouTube. Gil Brother é um doidão que pega vários assuntos circulando pela Internet e comenta de maneira peculiar, com uma grande dose de xingamentos e sermões, além de sua imaginação ter grande influência em como ele percebe o assunto.

H fica desconcertado ao perceber que Xuxa não queria transar com Michael. Algumas pessoas imaginaram isso apenas. Toda sua maquinação mental do dia anterior desperdiçada! O Gil Brother não é fonte alguma de conhecimento. Se G tivesse dito “o Gil Brother falou que...”, H gastaria bem menos energia com a informação dada.

Eis o logocentrismo: nós ocidentais valorizamos (inconsciente ou conscientemente) muito mais a simbologia das palavras quando elas têm uma referência no “mundo externo”, quando aquilo “existiu de verdade”.

Afinal, um filme de terror não dá mais medo quando é “baseado em fatos reais”?

sábado, 19 de maio de 2012

O que é modernidade?

Este texto foi escrito para dialogar com duas teorias que estão circulando por aí, sobre o que seria uma sociedade moderna. Resumindo ao máximo:
Modernidades múltiplas: tudo é moderno, temos que estudar as sociedades em suas particularidades e a causalidade histórica que a tornou aquilo que ela é hoje.

Teoria da modernização: a divisão tradicional (pré-moderno) e moderno ainda é relevante. Há uma série de aspectos culturais que já são globais, ou seja, compartilhados por várias sociedades devido ao desenrolar histórico direcionado ao desenvolvimento.

Vale muito a pena dar uma olhada no que a teoria da modernização considera "compartilhado". É bastante relevante!

Segue o texto:



Teoria da Modernização ou Modernidades Múltiplas?


Em um aparente confronto entre as postulações das duas teorias, há o problema da referência: ambas falam de coisas distintas. A teoria da modernização invoca uma visão dualista que dialoga entre as noções de tradicional e moderno para interpretar o mundo contemporâneo. Ela atenta para a convergência de certas características dividas por sociedades consideradas mais desenvolvidas, enquanto que aquelas menos desenvolvidas compartilham aspectos que as tornam mais tradicionais.  Entretanto, é tolice tomar sociedades como rigidamente “modernas” ou “tradicionais”. É mais contributivo pensar esses conceitos como ferramentas heurísticas de compreensão do fenômeno social. Os críticos da teoria da modernização muitas vezes ignoram o necessário laxismo que deve acompanhar o sujeito ao tratar de ciências humanas.
Já a teoria de modernidades múltiplas toma mundo contemporâneo e modernidade como sinônimos. No século XXI, o globo é composto por civilizações modernas, todas afetadas por um “longo período de modernização”. A modernização para essa teoria é um processo bastante antigo, que se refere basicamente à tomada de consciência de um sujeito que é agente político e continente de mudanças no destino social (o sujeito iluminista é o mais claro exemplo). Outro aspecto de relevância para a teoria é um estado-nação institucionalizado (por esse critério e uma dose de intransigência apenas a Antártida não seria moderna!).
Em uma direção oposta à teoria da modernização, os modernistas da multitude concentram-se na diversidade da gênese das culturas. Os “adversários” não negam essa diversidade, mas direcionam suas atenções na semelhança entre instituições, racionalidades e práticas que muitas sociedades compartilham.
Os “multi-modernistas” apareceram após a teoria da modernização já ter sido propagada no meio científico, mas não invalidou empiricamente suas idéias. Talvez tenham conferido um pluralismo semântico incoveniente à palavra “moderno” – poderiam ter usado outra palavra – que pode causar desagradáveis confusões na arena científica.
De cada uma delas pode-se aproveitar aspectos diversos. A teoria da modernização tem muito a oferecer ao relembrar que diversas sociedades possuem características compartilhadas, que explicam razoavelmente porque são tomadas como mais desenvolvidas. Um conjunto de fatores socioinstitucionais conceituado na teoria da modernização tem corroboração empírica com diversas realidades percebidas em certas sociedades. A noção de moderno trazida pelos seus teóricos é uma boa ferramenta de leitura do mundo, sendo útil para analisar eventos políticos, discursos e práticas de várias sociedades, além de orientar políticas governamentais. Seu uso como prisma teórico possui, evidentemente, limitações: é analítico, e não genealógico. É por si incapaz de traçar a gênese de práticas sociais “tradicionais” ou “modernas”, que é a trend da sociologia continental (e da brasileira).
No entanto é bom lembrar que a modernização não é apenas uma verve racionalista. As preocupações dos primeiros sociólogos – como Weber e Tönnies – envolviam as mudanças profundas que estavam acontecendo na sociedades com o caminhar da Revolução Industrial. Esses autores buscaram as conexões empíricas na passagem para uma nova forma de vida em várias sociedades – diga-se de uma “tradicional” para uma “moderna” – que se constituiu de mudanças no plano econômico (economia de mercado, propriedade privada), discursivo (racionalidade moderna, método científico), social (passagem da vida em comunidade para a vida em sociedade) e político (fixação do estado-nação como pilar politiconormativo, “dominação racional-legal”). Dessa forma, apesar de muitas vezes a idéia de modernidade associar-se a uma configuração socioinstitucional idealizada, ela também é reflexo de processos em andamento contínuo, que mudaram as formas de vida intensamente, principalmente a partir do século XIX.
A teoria das modernidades múltiplas é mais um nível de análise do que propriamente uma teoria, no sentido de que não fornece nenhum desvelamento conceitual novo para o terreno científico. Ela até vai em direção oposta ao desconstruir a dicotomia elaborada previamente, entre tradicional e moderno. Esse conjunto teórico não seria relevante, uma vez que o importante seriam as particularidades dos programas culturais reconstruídos incessantemente.  A idéia de modernidade seria contingente ao discurso próprio a uma determinada sociedade, e para compreender seu sentido é necessário imergir na genética cultural do grupo em questão. Os modernistas múltiplos buscam, portanto conectar a noção de modernidade a diversas visões de mundo particulares, seu significado estaria ligado a percepções subjetivas, possuindo várias facetas.  Uma de suas críticas freqüentes à teoria da modernização, como coloca Eisenstadt (p.139), é que:
seus teóricos assumiam, mesmo que só implicitamente, que o programa cultural da modernidade, tal como se desenvolveu na Europa, e as constelações institucionais básicas que aí emergiram, acabaria por dominar todas as sociedades modernas e em modernização, com a expansão da modernidade, viriam a prevalecer por todo o mundo
Atualmente, tal filosofia da história tornou-se mais ingênua e antiquada, ou pelo menos irrelevante, em relação ao seu entusiasmo em épocas mais antigas (os anos 50 do século passado, por exemplo). É realmente insensato julgar que a ambição política de uma multitude de povos é adotar a forma ocidental de estrutura social. Isso é presumido pela teoria da modernização, segundo Eisenstadt. Entretanto, ele está considerando o discurso político do qual se apropriou, por exemplo, o governo estadunidense e de certa forma a “mídia global”. Mas a teoria engloba aspectos mais relevantes para as ciências sociais, principalmente a convergência de estruturas de diversas sociedades, que vão muito além de arquiteturas políticas formais (como democracia representativa), perpassando certos elementos culturais gerais que impingem culturas locais, caracterizando a globalização.
A teoria da modernização possui, portanto uma dimensão política e uma dimensão científica. No plano político a utilizam como fundamentação para os valores que devem preencher o programa cultural de diversos Estados. Os formadores de opinião pública no Ocidente estão principalmente alinhados à idéia de que a agenda política de uma sociedade deve estar direcionada ao cânone ocidental para o desenvolvimento, que é a forma unilateral de alcançá-lo. Esse discurso está se esgotando progressivamente, com o esbatimento do impacto do fim da Guerra Fria (enfraquecimento do Consenso de Washington, por exemplo), e o estabelecimento de sociedades com programas culturais distintos do “Ocidental padrão”. Os diversos movimentos sociais (ecologista, feminista, gay, “Occupy”, etc.) em ascendência garantem uma prescrição política multifacetada ao redor do globo, e os horizontes políticos dos diversos Estados se divergem. Não é razoável pensar que as sociedades ambicionam uma configuração política racionalizada e determinada, como sugere o discurso político fundamentado pela teoria da modernização.
É neste quesito que os modernistas múltiplos confrontam a teoria da modernização. Eles atentam para a diversidade na composição das diversas identidades coletivas e programas culturais endêmicos, que pulveriza a idéia de um programa de desenvolvimento único. Modernidades múltiplas referem-se a percepções sociais múltiplas, de diferentes agendas políticas a serem estabelecidas. Neste paradigma, a idéia de hierarquia cultural é dissolvida, dada sua “irracionalidade”. As diversas identidades culturais são tratadas em seu caminho de reconstrução contínua, que adquiriu várias faces diferentes na era moderna.
A teoria das modernidades múltiplas desmistifica, portanto, o discurso político que se apropriou da teoria da modernização, dada a deslegitimação de uma hierarquia cultural previamente estabelecida. Mas a parte científica da teoria da modernização afirma justamente que a pluralização de programas culturais é elemento da modernidade! A descoberta do sujeito de que ele é capaz de moldar a ordem política vai progressivamente fortalecendo a individuação pessoal e o número de movimentos sociais, deslocando eixos tradicionais de diálogo político (como o estado-nação) para outros terrenos. Logo os pressupostos básicos dos modernistas múltiplos estão contidos nas tendências analisadas pelos teóricos da modernização.
Essa forte individuação pessoal é apenas um dos elementos compartilhados por várias sociedades contemporâneas que as caracterizam como modernas. Existem outros, como sistema de mercado e dinheiro, império da lei, educação universal e organização burocrática das instituições públicas e privadas que são compartilhados por todas as sociedades modernas. A eficiência na implementação de tais instituições é o que caracteriza o grau de modernização, segundo sua teoria. Essa conceituação não foi invalidada empiricamente pelos modernistas múltiplos, e continua sendo ferramenta importante de análise.  Volker Schmidt afirma que “não se pode tornar moderno e alcançar o Ocidente sem se estabelecer uma estrutura básica de sociedade que assemelhe-se à do Ocidente, porque essa estrutura é a verdadeira condição de sucesso do Ocidente” (p.163). Essa estrutura básica é minimizada pelos modernistas múltiplos, que focalizam em diferenças consideradas menos relevantes para os teóricos da modernização. Para estes, afirma Schmidt, as diferenças cruciais “tendem a ser aquelas que separam a sociedade moderna dos tipos pré-modernos de organização societária (...). Diferenças desse tipo, são amplamente ignoradas pela escola das modernidades múltiplas”. (p.166)
Compreender o quadro socioeconômico de um país estudando sua história cultural, traçando a causalidades que motivaram seu desenvolvimento particular é extremamente importante. Estudar a gênese dessa construção é bastante contributivo para o conhecimento, assim como comparar suas evoluções com as de outros povos. Uma abordagem não anula a outra. A teoria da modernização sai ganhando no quesito ciência por prover instrumentos conceituais importantes, desenvolvidos historicamente, enquanto a escola das modernidades múltiplas ainda está no início dessa sensível trajetória.


REFERÊNCIAS:

EISENSTADT, S. N. Modernidades Múltiplas. Revista Sociologia, Problemas e Práticas, nº 35, 2001, p. 139-163. Portugal.

SCHMIDT, Volker H. Modernidade e Diversidade: reflexões sobre a controvérsia entre teoria da modernização e a teoria das múltiplas modernidades. Revista Sociedade e Estado - Volume 26 número 2 Maio/Agosto 2011. P.155-183. UnB, Brasília, Brasil.


quarta-feira, 25 de abril de 2012

O sujeito fragmentado

"Reelaborar-se a cada circustância." Tal prescrição sintetiza a noção de subjetividade pós-moderna?

Sim e não.

Compreender a ironia trágica dessa resposta ("Sim e não.") é um passo a frente para desvelar o sentido do eu fragmentado: se tomarmos como prescrição o "reelaborar-se", este assume a postura dos conceitos rígidos que o pós-modernismo busca relativizar. A "atitude pós-moderna" exige uma postura epistêmica (e seu reflexo na postura estética) de <<precaução>> em relação ao conhecimento, imagens, cultura, etc.

Vejo uma conexão entre esse posicionamento defensivo (uma vez que prepara o sujeito contra hipervalorizações de crenças) e o que Bruce Lee chamou de estar conscientemente inconsciente ou inconscientemente consciente: o nirvana! Uma das exigências do nirvana é encarar o sujeito como esse fragmento condicionado pelo "texto" (sua conjuntura de existência e desenvolvimento).

Após ler o que ficou conhecido como "Caso Sokal", percebi que o terreno da epistemologia anda bagunçado. Sokal é um físico que escreveu um texto relacionando física quântica com pós-modernismo, e conseguiu que ele fosse publicado em uma revista (Social Text). Em seguida ele escreveu afirmando que o texto era pura balela sem sentido, e queria apenas provar que em revistas "pós-modernas", se aceitaria publicar qualquer coisa sem o devido "rigor intelectual".

A meu ver, Sokal tem alguns critérios que o pós-estruturalismo (fundação epistemológica do pós-modernismo) tenta desmistificar:

1. O conhecimento deve ser algo "universal", ou seja, todos devem aceitar proposições consideradas conhecimento, as que não o fazem são tolas, chatas, pouco instruídas ou, a palavra mais clássica, irracionais.
2. A rede conceitual desse conhecimento é também universal, independente de seu interlocutor, e possui uma semântica concreta indeslocável.
3. Se a semântica de certo conceito for deslocável, ou seja, se o sujeito for ativo para o conhecimento, e não somente passivo, então esse conceito não tem validade para o conhecimento.

Existem diversas outras "críticas" à postura intelectual de Sokal (compartilhada por muitos outros). No entanto, os dois lados estão errados. De um lado, vemos um pessoal que tenta expandir o conceito de ciência, para abordar uma imensidão de epistemes (sistemas de conhecimento), o que possibilita a legitimação de textos como o de Sokal publicado na Social Text. Entretanto, o que esse pessoal faz não deve ser visto como uma "deslegitimação", mas como um "enquadramento". Encarar a ciência como possível de ser exercida sem uma dose de "arbitração" do sujeito é ingenuidade: para existir, é necessário um "recorte" em um <<sistema de referência>>.

Porém isso não tira sua qualidade. O que faz é simplesmente notar o "lugar" da ciência no conhecimento. A ciência é de fato uma subárea do conhecimento. O pós-modernismo atenta para as diversas outras áreas que também têm qualidade. Ele que possibilita por exemplo, associar aforismas de Bruce Lee com problemas de subjetividade!

terça-feira, 13 de março de 2012

Microsucateamento


Hoje, ao passar pela Biblioteca Central da UnB, notei alguns gringos em visita guiada. Japas, canadenses, entre outros internacionais. Estavam em passeio pelas áreas da nobre biblioteca. Logo bateu um sentimento elevado: é sempre bom exibir o patrimônio para os outros. Esse sentimento pode ser comparado àquele sentido quando mostramos nossa casa a amigos: temos uma percepção de familiaridade com o objeto casa, assim como a temos com o objeto terras nacionais.

Após tal evento, subi para o segundo andar para resolver coisas. Na saída da repartição, um novo vislumbre do grupo. Nessa hora, estavam em uma pequena sala, olhando algumas obras de arte e outros artefatos culturais expostos como em um mini-museu.

Surge-me novamente a pulsão nacionalista: gostaria que a UnB pudesse acomodar bem os gringos, fasciná-los com obras das mais elevadas alturas (hehe), e neles despertar uma comoção com a estrutura de nossa Universidade. No entanto, o mini-museu era bem furrequinha: em um espaço de mais ou menos 12m² comportava as obras de forma apertada, e vi um mostrador com o vidro rachado. É uma pena que nos países deles (Japão, Canadá) são encontradas estruturas mais bonitas. Muito provavelmente a recepção a gringos, formalizada como a vi na UnB, é mais interessante esteticamente em tais países.

É lamentável que a cultura do “feinho, mas vai” seja extremamente comum no Brasil. Não seria custoso disponibilizar um espaço melhor na UnB para acomodar o mini-museu do BCE e tampouco consertar o vidro do mostrador. São coisas que o brasileiro releva no dia-a-dia, pois é “feinho, mas vai” assim mesmo. Algumas pessoas chamam tais preocupações de “viadagem” ou “frescurite”. Entretanto uma elevação estética de miudezas do espaço urbano pode ter um efeito sutil no humor corrente (ou será bobagem minha?) – como diria a teoria da felicidade de The Sims (de acordo com ela, a decoração influencia pesadamente no humor). Além disso, nosso espaço ficaria mais conceituado perante os gringos.

No mais, espero que os tais gringos gostem de minha querida Universidade! (ufanismo acadêmico? hehe)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Globalização

Um brasileiro na Nicarágua, lendo um artigo escrito por uma sérvia, em inglês, sobre Bourdieu, um autor francês!

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

adorno horkheimer e weber

"Pensar a démarche de qualquer processo concreto de produção e organização de conhecimento como absolutamente independente de contextos sociais e psíquicos mais amplos vai no sentido diretamente contrário daquilo que propõem nossos autores na Dialética do Esclarecimento. Em outras palavras, não apenas o conceito de "valores", tal como o utiliza Weber, é insuficiente para Adorno e Horkheimer [...], como, para eles, mesmo os procedimentos lógicos e categoriais de qualquer trabalho intelectual são, sim, dependentes de determinados contextos materiais de fundamentação."
PISSARDO, Carlos Henrique. Os Pressupostos Materialistas da crítica à razão cognitiva na Dialética do Esclarecimento, USP, 2011.

Bom, esse tipo de pensamento não é nem positivo nem negativo para a ciência! Que raio de crítica desnecessária, e que desfaz um eixo de razoabilidade construído pela modernidade (sem miná-lo, pois meras palavras não são capazes de fazê-lo).

Adorno e Horkheimer lembram o arquétipo do adivinho em Assim Falou Zaratustra, que foi devidamente destruído pelo protagonista =)

Na verdade, também considero ambos cristãos enrustidos! Uma espécie de pós-hiper-neoplatonistas. Portadores de metafísica que pode adoecer mentes.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Weber e a perguntinha de sexta-feira da CBN

Sardenberg, da CBN, toda sexta-feira pergunta a seus convidados a respeito do fim de semana, "temperança ou pé-na-jaca"?

Sociologia on:

Weber diria, "ascetismo secular, ou mundanidade pagã"?

aw yea