sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Texto científico e texto político

O que dá um tom científico a um certo texto (doravante chamarei de mensagem) ? E o que o torna "político"? Para responder, convém imaginar as duas noções como tipos: uma mensagem pode conter os dois elementos em intensidades diferentes. O que será explicado a seguir deve estar acompanhado da ciência desse caráter de tipo.

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Uma mensagem científica é aquela que planeja ser igualmente válida para todos. O emissor da mensagem científica intenciona transmitir significados que, dentro de seu quadro de referência (isso é muito importante), possam ser compreendidos e aceitos por aqueles com o mínimo necessário de inteligência. 

Quadro de referência: entender uma mensagem científica exige situá-la em um contexto maior que poderíamos chamar de rede de mensagens, que interagem entre si anulando o significado das outras e conferindo um significado particular a si mesma. Qualquer coisa, para fazer sentido, precisa invocar essa rede em que se encontra. Uma das redes principais, costumamos chamar de linguagem.

Exemplo: a água, na química, é chamada de H2O. Para que faça sentido chamar a água de H2O necessitamos invocar, ao menos parcialmente, o quadro de referência (composto por símbolos, códigos, conceitos, etc.) da química. Esse quadro pode até estar relacionado com outros quadros, como o do idioma (latim, português, grego, etc.), o da matemática, da biologia, da física, etc.

O que importa é, julgar alguma mensagem como científica invoca necessariamente relacioná-la com o "ambiente semântico" em que ela está enquadrada, a rede de mensagens que utilizam o mesmo quadro de referência, e sem extrapolar o campo. Daí vem muitas críticas às mensagens científicas: de raciocínios que envolvem um determinado conteúdo científico com quadros de referência que não lhe pertencem (o "mundo real" é a referência mais comum na hora de extrapolar!)

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A mensagem política é aquela que expressa uma convicção, crença ou opinião que causa divergências quanto a sua validade.  Mesmo que seu emissor acredite que está expressando a “verdade”, ou em outras palavras uma mensagem científica, a existência de divergências já mostra que há uma cor política envolvendo o assunto.

Tais divergências não necessariamente encobrem apenas o conteúdo da mensagem, mas podem envolver o continente (aquilo que contém o conteúdo, ou seja, o mensageiro). Por exemplo, quando um candidato a reitor discorre sobre problemas que estão abalando sua universidade, pode-se questionar a qualidade de tais problemas, uma vez que o candidato pode estar sendo estratégico, “manipulando os fatos para benefício próprio”.

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 Como eu disse no início, as duas características se entrelaçam em muitas mensagens. De certa forma, toda mensagem científica tem um tom político, ao menos em seu passado: sua validade ao menos em um momento exigiu a construção de um consenso sobre seu quadro de referência. Isso reflete a situação existencial humana, na qual nós temos que “criar essências” para nortear nosso dia a dia.

A política precede a ciência, mas quanto mais civilizados somos, mais apaziguada é essa precessão.

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