segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Rain of Entertainment (poema)

Oh God
The Wind gushes
Everlasting whatever
The Mind flushes
Enjoying its own desire
I know
You know
They know
I'm fabric
This is not an occasional interview with our own desire
Oh God
The rain is coming
Not that natural one, the one that is all about the weather
Oh God
It's the one synonymous with storm
Blizzard, Valve, canals
The Rain of Entertainment
 Of Ever-tainment
To flush our Souls
Everlasting forever
Appeasing the senses
Of uttermost brilliance
Heavenly divine
Such as this Website
Shines above all our minds.
Everlasting…
Minds…

Whatever.

Pt.2

Oh God! How mysterious is the soul! 
Connecting to the Eternal Imagination in such a mundane moment! 
Opening the Youtube page, and seeing all those new videos from the channels you built an affection upon; 
Why, God, dost thou appeasest mine senses 
In such a mundane moment? Por quê?

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Resenha do Recital de Formatura em Composição Musical de Pedro R. Cardoso (08.12.15)

É muito difícil falar de uma apresentação de recital de formatura em Música – Composição, porque as obras são uma coletânea de peças do artista criadas ao longo de seus anos de formação. Mas é possível, em ocasiões não tão raras, captar certo espírito do artista que dá um norte às obras – a “essência anímica”. O recital de Pedro Cardoso foi uma dessas.
A peça inicial, Folclorismo, já apresenta um tom que se perpetua ao longo do recital, que remete a Oscar Wilde e sua frase: “a vida é muito importante para ser levada a sério”. Trata-se de uma interpretação de músicas populares como “Boi da Cara Preta” e “Ciranda Cirandinha” com pitadas de formalismos modernos atonalizantes. As obras do recital carregam uma jocosidade que Pedro Cardoso parece querer passar sem no entanto cair em lugares-comuns bem estabelecidos no ouvido popular. O sucesso dessa empreitada em alguns momentos é um pouco dúbio: o tom lúdico por vezes cai perante um medo artístico de querer se expor, isto é, um formalismo que parece servir de escudo bloqueando a comunicação lúdica com o público. Mas, assim como o silêncio é imprescindível para a comunicação, também o formalismo o é na música: a questão é o diálogo entre ele e a transmissão de coisas significativas, que é o que realmente marca as pessoas e as faz lembrar do que acabaram de ouvir. Pois falemos do marcante no recital:
O conteúdo de matriz sentimental, distante e parco na maior parte do tempo, ao surgir é tempestivo: está presente nas composições a cargo do Iandé Ensemble, intituladas Disciplina Humanística ­e Ricercata em Gestos. Trata-se de música intuitiva onde os músicos são “formadores de opinião” – muito mais do que em outros casos onde apenas se reproduz a partitura literalmente. Assim, é questionável se o dedo sentimental é da performance ou do compositor.
No conteúdo onde o dedo de Pedro Cardoso é mais palpável, vigora a mentalidade wildeana de pequenos prazeres, da grande perícia em trazer conteúdos que as pessoas normalmente fogem de abordar – como política e crítica culturala – para o concreto do entretenimento. Vemos lampejos do humor cáustico de The Onion e do “Elvis da filosofia” Slavoj Zizek na transfiguração de temas pesados para serem mais digeríveis, principalmente nas diversas obras intercaladas que constituem o álbum a ser lançado A Era dos Apps.
Chama também a atenção o uso de línguas falsas: em duas peças as temos. Elas apelam intelectualmente para duas coisas completamente distintas: contracultura e pós-modernidade. Certa vez um hippie – um mesmo, um americano dos anos 60 daquele estilo Woodstock – falou: “Não tenho palavras, eu tenho alma”. Hippies e beatniks associaram a linguagem ao sistema social que não lhes conferiam sentido (do mínimo ao pleno) de existência e viram um enfrentamento ao status quo de transmissão de conteúdos como necessário para a efetivação da vida. Brincar com línguas inventadas é, nesse âmbito, um instrumento contracultural, uma vez que convida a sair dos lugares-comuns dos idiomas que ocupam tanto o cotidiano quanto nossa consciência: a performance de Malu Engel em Lugares que Não Foram invoca a ascensão nietzscheana do espírito que, convertido em criança, passa a levar jogos a sério e encontra aí uma essência perdida pela modernidade. Por outro lado, há o deserto da pós-modernidade: assim como na transfiguração de temas pesados em conteúdos lúdicos d’A Era dos Apps, o uso de línguas falsas em Herr Francis parece querer simplesmente jogar diversão; ergue-se a questão de que o elemento contracultural seja mero wishful thinking de críticos, i.e. masturbação intelectual para agradar outros intelectuais. Fica no ar a questão: do que o artista está cienteb? O conteúdo da obra carrega de fato carga contracultural, mesmo após a constatação de que ela não será absorvida pelo público, ávido para viver as obras no âmbito puro e simples do entretenimento? E será que o artista tem essa visão sobre o público? Bem, se Oscar Wilde vive em Pedro Cardoso, o mistério está resolvido: bem-vindos ao deserto pós-moderno, aproveite a estada; clamar por algo além do deserto é clamar por dor de cabeça desnecessária.
Mas essa hipótese da jocosidade pura e simples não é muito satisfatória… afinal, algo motivou o artista a colocar referências a temas tão profundos em sua obra, não? O que será? Já dizia Bukowski que um intelectual diz algo simples de modo difícil e o artista algo difícil de modo simples. Se for desse jeito mesmo, podemos afirmar, no que tange o marcante: o recital de Pedro Cardoso é um atestado de arte, e que fique marcado assim.


a. Destacam-se uma crítica ao nacionalismo futebolístico brasileiro em E agora: futebol e um apontamento de como funciona o sistema político, “da história da Inglaterra à eleição para síndico do bloco” em Olaiela (que talvez tenha sido o ápice do diálogo entre música pop e crítica cultural/filosofia política).
b. Não que não seja uma pergunta um pouco capciosa, afinal atualmente costuma-se achar que a obra transmite significados independente do autor querer ou não. Mas não se deve ignorar o fato do compositor não ser (ao menos nesse caso) uma máquina que simplesmente compõe sem pensar no que está fazendo.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Sobre Uma Pequena Nuvem -- in Dublinenses, de James Joyce

No começo, "Uma Pequena Nuvem" parecia a história mais triste que já tinha lido. É sobre o Artista que sucumbe às necessidades mundanas, incapaz de expressar-se por causa da mesmice no trabalho e das necessidades do filho pequeno e esposa sufocante. O final parece trágico: Pequeno Chandler, o Artista, é censurado pela esposa que toma o filho de suas mãos; temos a impressão de Chandler ser um pai ruim e um marido submisso, além de guardar seus sentimentos poéticos para si e não compartilhar sua profundidade sentimental com personne.
Senti-me muito mal por Chandler. Coitado! (Arte é o que salva, não? O mundo material não é suficiente...)
No entanto, no dia seguinte à minha melancolia --hoje--, tive uma epifania (curiosamente, vários personagens em Dublinense também têm): o final do conto pode não significar apenas que Pequeno Chandler é uma alma presa pelos grilhões do Reino da Necessidade, incapaz de transcender para o Mundo da Arte.
Na visão que tive, Joyce desejou indicar com o conto como os Artistas nascem: são fruto dos sufocamentos do mundo, a vontade de expressar algo, criada pelo desapontamento entre o que o mundo oferece e as mais elevadas alturas da Imaginação -- estamos vendo o nascimento de Pequeno Chandler como um poeta.


Obs: no conto, Chandler lê Byron, que levou uma vida de heroísmo romântico sem igual. Sua poesia mostrava a melancolia da alma... Talvez artistas, assim como os filósofos, são os que vivem além do dado, os que têm ideias à frente do seu tempo, que sentem-se na dianteira do que está aí...
Obs2: Leia mais sobre romantismo aqui.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Televisão x videogame

David Foster Wallace, aclamado escritor de quem sempre falo por aqui, costumava tecer uma crítica ao entretenimento televisivo em torno da sua superficialidade.
Segundo ele, o objetivo da TV é basicamente manter as pessoas assistindo-lhe o máximo de tempo possível. Para isso, o conteúdo deve ser cômodo, confortável, dispensando esforço por parte do espectador, que se torna um consumidor passivo. Sua literatura em larga escala foi uma tentativa de exigir do leitor certo esforço para aproveitá-la; DFW pensava que a vida não devia ser apenas uma busca por prazeres simples de alcance barato--certa dor e dificuldade eram inerentes à condição humana e eram passos inerentes à maturidade. Ele e alguns amigos viam um tipo de tristeza na América moderna, devido a tal submissão cega ao prazer imediato e plano.

Compartilho dessa ideia: um certo grau de masoquismo é importante para a construção do caráter.
A notícia abaixo, por exemplo.

Brasileiros têm de entender que estudar não é chato; chato é ser burro

 Ela tem a premissa de que chato=ruim.
Por que temos de fugir sempre do que é chato? Homo ludicus, aquele que procura sempre a diversão, tornou-se um paradigma de caráter. Isso precisa ser urgentemente desconstruído. O chato faz parte da vida e acolhê-lo melhora as pessoas, torna-as menos egoístas, mais instruídas (não deveria fazer diferença que estudar seja chato ou não--é um critério de medida estúpido), enfim: viver em sociedade devia ter ao menos um pouco de autonegação, super-ego sobre ego, e isso parece estar sumindo.
Indivíduos estão querendo ser deuses, no entanto, os que mais chegam próximos do Olimpo são aqueles cientes de que não conseguirão escalá-lo.

***
DFW falou muito sobre TV, mas nada sobre videogames.
Jogo videogames há muito tempo, e certamente ele requer trabalho do usuário, ao contrário de sua prima mais velha. Alguns jogos mais do que outros. Mas me lembro de que, antigamente, nos anos 90, os jogos eram muito mais difíceis do que hoje. Não sei como continuei jogando, era frustração atrás de frustração. Aí há uma lição de vida muito importante, a repetição aliada à paciência e ausência de insatisfação é uma grande virtude, que ajuda a desenvolver habilidades como concentração e tranquilidade

DFW fala da importância da TV para moldar a literatura de sua geração. Em seu caso, isso significa aliar uma pauta de diversão a uma pauta de comunicação de ideias complexas. Ele faz isso muito bem, e talvez mais importante, isso comunica-se com a geração atual.

Isso me levou a pensar na influência do videogame. Há alguma influência de estilo, de estrutura, de projeto?
Particularmente, acho que NES, SNES, PS1, PC games, N64 (na casa de amigos--eu tinha um Playstation) não me influenciaram em termos de projeto literário. A mecânica (RPG, plataforma, esporte, FPS, beat'em up etc.) e o gênero (ficção científica, fantasia, terror) certamente me moldaram e continuam orientando meus gostos. Mas num nível mais geracional/abstrato, enquanto membro de uma geração gamer, penso apenas que o videogame ajudou-se a gostar de livros difíceis. De certa forma estamos jogando um jogo ao tentar interpretar complexidades literárias. Jogos difíceis, que exigem "detonado" em certas partes, são análogos àqueles livros demandando consultas ao dicionário ou literatura secundária.
Claro que ler com a Internet ao lado também ajuda, mas é outra história.

sábado, 17 de outubro de 2015

Coletivismo e transcendentalismo

Cá estava eu pensando na diferença entre individualistas e coletivistas.

Após um tempo de reflexão, cheguei à ideia de que uma diferença crucial é de linguagem: individualistas observam que coletivistas não se veem como agentes fazendo o que eles pensam que é o certo, mas que pode não ser o certo para os outros. Coletivistas (C) acreditam num ordenamento social justo e transcendental, algo objetivo externo às opiniões.

É estranho pensar num C que não pensa assim: se ele acha que seu desejo de sociedade é uma formulação particular, não deixa de ser C? Não passa a ser um I querendo impor seu desejo aos outros indivíduos? Um I autoritário?

Difícil imaginar que ser C não exija senão ingenuidade, ao menos cinismo.

Claro que por trás desse pensamento há a convicção de que não podemos hierarquizar coisas subjetivas; o utilitarismo, por exemplo, afirma que as melhores decisões são as que deixam mais pessoas felizes. E quem possui a régua dos sentimentos? Quem os mede? Mesuras necessariamente autoritárias, não?

Ainda estou a encontrar uma filosofia C que esteja calcada na lógica e racionalidade (ainda preciso ler Carnap -- que pelo que ouvi falar foi positivista lógico e socialista). Pois pelo que vi até hoje, tais princípios apontam que todo exercício de poder -- imposição de opinião, no caso -- é autoritário. O individualismo parece ser uma solução mais lógica, aí: é a busca pelo ambiente onde cada desejo individual se entrelaça sem coações de outros indivíduos, sem alguns ditando nem meios nem fins. Voluntarismo.

E claro que penso que liberdade é o máximo de justiça possível, dada a constelação de misticismos que povoa cada corpo deste mundo.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Graça Infinita -- Hal Incandenza

"Como a maioria dos norte-americanos de sua geração, Hal tende a saber bem menos sobre por que ele se sente de certas maneiras quanto aos objetos e buscas a que ele está devotado, do que quanto ao objetos e buscas em si. É difícil dizer com certeza se é mesmo algo excepcionalmente ruim, tal tendência."
(minha tradução--ficou confusa? em inglês parece bem claro, e ao traduzir achei que embolou)

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

A fraqueza da sociedade civil no Brasil

Um pensamento corrente entre cientistas políticos é que democracias, para funcionarem de fato, precisam de uma sociedade civil forte, caso contrário, vários problemas surgirão. Os casos mais extremos estão no Oriente Médio, onde Iraque e Egito, por exemplo, experienciaram sistemas formalmente democráticos que não geraram sequer estabilidade social, muito menos desenvolvimento.

No Brasil, a evidência mais clara de uma sociedade civil fraca está na perpetuação de políticos corruptos no poder. A corrupção poderia muito bem ser combatida pelos eleitores. Contudo, o que vemos é uma baixa accountability vertical, isto é, eleitores não punem políticos por maus mandatos. Isso é bem mais evidente no Poder Legislativo e no âmbito partidário.

Claro que esse tipo de punição existe; mas sugiro que está longe do nível ideal.

***

Mas a evidência da fraqueza da cidadania no Brasil que quero salientar é outra. Está na debilidade dos políticos em representar de fato a sociedade civil. Diversas medidas e reformas políticas, para serem levadas adiante, precisam enfrentar grupos específicos, que perderão privilégios. O Governo, quase sempre, não leva tais medidas adiante, porque os grupos específicos protestam muito, e o restante da população pouco corre atrás (pudera, supostamente isso cabe aos políticos).

A notícia abaixo é exemplo de uma medida dessas que conseguiram atravessar as barreiras corporativas. A classe médica brasileira chiou muito contra o Mais Médicos, inventando inúmeras alegações que escondiam por trás o interesse da categoria em manter reserva de mercado (quanto menor a concorrência, mais valorizada é a profissão).

Felizmente, foi um raro caso onde o governo atropelou os interesses corporativos em nome de uma maioria abstrata e silenciosa -- que ficou feliz com o resultado.

Em dois anos, cubanos ganham preferência a médicos brasileiros

terça-feira, 7 de julho de 2015

Resenha Graça Infinita (na verdade, do livro original em inglês, Infinite Jest), de David Foster Wallace

É muito difícil fazer uma resenha de um livro no qual, grosso modo, o enredo não é tão importante. Por que alguém lê literatura, senão para viver uma boa história? De fato, há uma ótima história em Graça Infinita, mas não é exatamente daquelas de gerar expectativas sobre o que irá acontecer. Tipo: é confuso—o livro não é linear, começando no final da história e indo e voltando por vários anos e dias diferentes, além de quebrar a narrativa com muita frequência (isto é, cenas envolventes são interrompidas no meio da ação, além de partes aparentemente desnecessárias tomarem bastante espaço).

Assim sendo, talvez a melhor forma de resenhar seja explicando por que o li de cabo a rabo, 1070 páginas que, por causa do pequeno tamanho das letras (e páginas grandes—são quase uma A4), valem como duas mil em um livro padrão.

O livro surpreende sempre. Nenhum “capítulo” (em aspas por parecerem ter sido divididos de forma arbitrária) é previsível, sendo muito raro deparar-se com uma cena sobre a qual se pensa “que clichê/estava na cara/eu já sabia”. DFW parece ter escrito um livro em que fez o que quis, sem nenhuma preocupação com “regras” do contar-estórias. De fato, as regras foram muito bem quebradas—com autoridade e, apesar de haver momentos entediantes, a ruptura com um certo senso comum (i.e., com uma maneira mais estabelecida de organizar as informações) soa como algo cuidadosamente calculado. Algumas partes foram bem chatas de ler, mas já vi gente dizendo ter gostado muito de trechos os quais detestei.

Para criar essa imprevisibilidade, a principal ferramenta (além da não linearidade) é a onisciência do “narrador”. São inúmeros personagens que compõem a trama, muitos secundários que em algum momento são dedicadas várias páginas a eles, e depois do nada somem ou servem a um papel bem pequeno. Não são apenas narrativas sobre a vida desses personagens que estão presentes no livro: há um artigo escolar e um de revista, cartas (de correio mesmo), um fluxo de consciência, um monólogo do pai ao filho, um e-mail, primeira pessoa e terceira, teoria crítica sobre a sociedade moderna americana, e uma afamada nota de rodapé onde temos uma filmografia extensa de um dos personagens principais.

Graça Infinita exibe maestria de técnicas e temas literários: DFW escreveu com autoridade, nunca deixando a desejar, sem soar forçado ou coisa parecida. Demonstra profundidade, cavando uma ideia forte por trás do texto (sua interpretação da vida classe-média no século XXI, i.e., da Era da Informação); é uma escrita muito sincera, e com ideias muito boas a serem desveladas. Não é uma leitura casual, exige certa dedicação para aproveitá-la. É difícil de ler na praia, ou no metrô. O leitor precisa ter algum nível de masoquismo. Mas acredite: há recompensas. Elas vêm na forma de um apego à trama, desenvolvido lá depois de 25% de leitura, além de uma forte associação com os personagens, que são caracterizados com uma densidade absurda—tipo: histericamente.

São muitos personagens, que vêm e voltam. DFW disse querer escrever um livro sem personagens principais, mas dois têm maior destaque entre todos: Hal Incandenza, jovem superdotado de classe alta, e Don Gately, ex-drogado de classe baixa. Ambos são peças-chave nos dois principais cenários da narrativa: uma escola—que treina os alunos também para (alguns) serem tenistas profissionais—e uma clínica de reabilitação. Há dois tipos de fascismo nesses locais: um coletivo e um individual. Na Academia de Tênis de Enfield (a escola), o coletivismo fascista é o modo de vida imposto aos alunos e orientado para levá-los a serem tenistas profissionais[1]; na Casa Ennet (a rehab), as pessoas são a autoridade fascista delas mesmas ao tentarem empregar técnicas individuais para anular o caos de uma vida passada, “viciadas em reabilitação”. Nas duas instituições vemos o cultivo ao geométrico, à ordem e à disciplina. Mesmo que no processo doutrinas libertárias sejam utilizadas: processos motivacionais e de autodesenvolvimento são recursos que, em última instância, são apenas meios para se atingir os objetivos impostos pelo coletivo (ser um tenista profissional ou ser uma pessoa reabilitada a viver em sociedade). Em outras palavras: trágico: fascism everywhere!

O livro é uma tragicomédia que se degenera. Ao leitor resta concluir: “foi bom enquanto durou”.

Particularmente, acho as críticas sociais do livro sutis demais para que suas lições de moral sejam a rigor pedagógicas. Quem o lê já deve ter opiniões análogas. Mas, como todo bom livro, ele consegue fazer o leitor vivenciar a estória. A genialidade de DFW é que a história do livro é uma representação da vida no século 21. Hiper-real. Líquida. Pós-modernismo do capitalismo tardio. Lê-lo é mais divertido do que ler Jean Baudrillard, Zygmunt Bauman ou Fredric Jameson, autores que apresentam ideias muito semelhantes, mas de forma mais acadêmica (autores de não-ficção).

Talvez você tenha notado alguns cacoetes ou estranhezas no meu modo de escrever. Há algum tempo não escrevia assim: antes tinha uma tipografia mais enxuta, mais ressalvas para ousar, uma maior proximidade com lugares-comuns. Devo bastante a Graça Infinita: não digo que copiei seu estilo (minhas frases são bem mais curtas, por exemplo), mas certamente influenciou bastante. Ademais: absorvi uma parte de seu estilo—há muitas palavras difíceis, desde jargões técnicos até gírias provincianas, passando por conceitos filosóficos e palavras latinas remetentes ao academês. Em larga medida, é uma obra para nerds literários, que gostam de ficar consultando dicionários. Mas jamais é necessário saber todas as palavras, pelo contrário, é até bom deixar alguns termos em incógnita. Faz parte da vida, por que não da leitura? O começo é bem mais doloroso uma vez que o leitor ainda não se acostumou à linguagem particular de Graça Infinita, depois de um tempo (250 páginas, talvez), a compreensão já é bem mais fluida. Mas, claro, 250 páginas de leitura não é pouco tempo.

Se você leu até aqui, já deve ter alguma noção se o livro te atrai ou não. A maioria irá se afastar, talvez—já não bastam as dificuldades do dia a dia, por que ler um livro difícil? Quem mais vai gostar com certeza são as pessoas que acham estudar divertido. Ele certamente ensina coisas, talvez a mais importante sendo para escritores: tem um estilo elegantíssimo.

Pode parecer que gostei do livro apenas porque DFW é um virtuoso literário. Não é o caso. Há várias histórias absurdas, que são muito engraçadas. Algumas tristes. Mas tudo parece às vezes ser uma grande piada (acho que o título em português deveria ser Zoeira Infinita); o leitor parando e rindo da fantasiosidade. A frase do crítico Stefano Ercolino resume bem a representação da vida moderna em Graça Infinita: “É um realismo que, para ser crítico, paradoxalmente precisa desfamiliarizar o real, uma vez que numa época de irrealidade difusa a única maneira de representar o mundo é tornando-o quase irreconhecível”.

Há uma ideia que vai sendo lentamente construída e é muito suavemente mastigada, contada pelas beiradas: a sociedade da informação, da internet, do consumo—o que significa viver nela? O que é ser humano nesse tipo de sociedade? Como as pessoas são construídas? Qual a matéria-prima cultural? São 1070 páginas que perpassam vários vícios modernos: competição, televisão, drogas, radicalismos políticos e econômicos, solidão, enfim: individualismo e «histeria coletiva». Foca-se em uma narração densa em torno de duas instituições sociais (a escola e a reabilitação) e vamos ganhando uma noção de como elas fazem as pessoas serem quem são. Por isso a noção de fascismo: em um nível muito abstrato, fascismo significa o método com o qual as pessoas são condicionadas a certa personalidade pela sociedade. Nestes termos, Graça Infinita é uma interpretação do fascismo na Sociedade de Consumo, na qual a realidade em larga medida é composta por “simulações de realidade”, isto é, na maior parte do tempo vivemos e funcionamos em torno de objetos de importância virtual: televisões, celulares e computadores são meios de comunicação, e por si sós não servem para nada. Tipo: o que se vive hoje é em larga escala resultado da interpretação sobre o não-vivido (informações trazidas pelas telas). Graça Infinita é nesse sentido contraditório, porque ele próprio é autoconsciente de seu caráter virtual, de seu valor como mercadoria, mas busca ao mesmo tempo trazer uma “alternativa”—de forma muito sutil—à vida Crucificada pelo Sistema.

Talvez a pedagogia do livro nem seja tão sutil assim, o problema estando mais na complexidade de levar a tarefa a cabo no cotidiano, principalmente em termos coletivos, não individuais.

Particularmente, vi fascismo para todo o lado pela obra. Inclusive em um dos supostos contrapontos a ele: nos Assassinos de Cadeira de Rodas, um grupo terrorista quebequense que visa à separação política—bom, há também uma grande trama sociopolítica continental, mas não vou esmiuçar-me sobre isso[2]—, que representam uma ideologia, por assim dizer, alienígena à do Ocidente. Chega muito próxima ao que imagino como a racionalidade de um homem-bomba. A ilustração dessa racionalidade, claramente “anti-americana”, é um dos pontos fortes do livro, tão bem feita que é sintoma da genialidade de DFW. Penso ser inútil tentar representá-la aqui, pois um de seus aspectos chaves é a estética do argumento—mas digo: a maneira de apresentá-la é genial: DFW a põe em vários capítulos de um diálogo longo entre um dos terroristas e um dos antiterroristas do governo americano.

Outro aspecto que me levou a gostar muito da obra é sua atmosfera nobrow, que significa um diálogo entre o refinado e o vulgar, entrelaçando-se continuamente. Exemplo: num dos debates dialéticos entre o terrorista e o agente secreto americano, há descrições do tipo: “Marathe peidou suavemente”; outro: uma personagem intelectual outrora era animadora de torcida, para um time universitário de futebol americano. O livro é um manifesto antiestereótipo, de certa forma, e isso se mostra com fluidez no nobrow que envolve com dinamismo o chulo e o erudito, o coloquial e o culto. DFW parece conhecer bem das duas áreas—ele assistia à tevê bastante, e lia muito.

Requer paciência, mas dá o retorno. Basta masoquismo no começo. Depois de se acostumar, desce suave. É uma aventura inimitável aos sentidos literários. Algumas pessoas pensam que o livro deixa-as seres humanos melhores. Acho isso deprimente. Sua função pedagógica é baixa; para isso melhor ler outra coisa. Já sua função estética é magnífica. E talvez essa seja a tal Graça Infinita.


[1] E, interessantemente, os alunos menos deprimentes lá são os que já sabem que não conseguirão ser profissionais: um que busca o prazer moderado e outro que busca entreter os outros como falso radialista, mas acaba com isso apenas entretendo a si mesmo.
[2] Há, sobre Graça Infinita, a alcunha “romance enciclopédico”. Realmente, são várias subtramas existentes, infinitas histórias que o leitor digere com uma rapidez impressionante (o que uns contam em 100 páginas, DFW conta em 10). O crítico James Wood classificou esse tipo de romance como “realismo histérico”. Cf. em inglês http://www.newrepublic.com/article/61361/human-all-too-inhuman ou (pior) em PT-BR:
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2011/03/12/james-wood-literatura-vida-na-pagina-368221.asp

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Sociologia do Brasil em "Grande Sertão: Veredas"

"[...] jagunço, pelo que é, quase que nunca pensa em reto: eles podiam achar normal que da banda de cá os inimigos presos a gente matasse, mas apreciavam também que Zé Bebelo, como contrário, tivesse deixado em vida os companheiros nossos presos. Gente airada..."

Nova Fronteira, 2005, p.291.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Patrimonialismo (1)

O Governo brasileiro prefere aumentar impostos para pagar funcionários a confrontá-los. Impostos indiretos que caem na conta dos mais pobres.
No Brasil, os mais pobres pagam mais impostos, que por sua vez vão para os bolsos dos mais ricos. E não são apenas políticos, mas todo um funcionalismo que, relativamente, é rico: quem ganha R$5.000 no Brasil está entre os 5% mais ricos do país -- a maior parte do dinheiro transferido diretamente às pessoas vai para o topo da pirâmide. O Estado pega dos pobres para dar aos ricos...

sexta-feira, 29 de maio de 2015

An actually interesting discussion occurred on Youtube

'This water stuff was already in his book Infinite Jest. This DFW type is clearly a millennial-burgeois-lack-of-real-struggle galoot, writing stuff with a nobrow appeal to a clearly highbrow audience, eager to entertain themselves with original bullshit that supposedly point to all this generations flaws, or whatever sense of lack perceived as a king of generational disease. Ironically, it seems that my analysis just sustains the argument that there's something wrong in the air...' (6 likes)
'So what alternative do you suggest?'
'People should follow the holy words of... I'm kidding. I don't know man, I'm nobody. People struggle to spread their world-views, even as mildly as DFW did in Infinite Jest.
Also, if I provide a bourgeois-liberal-bullshit criticism that occurs due to my bourgeois-liberal-bullshit background, it doesn't mean I'm not comfortable with it. Many theorists say that this is new capitalism, a crazy millennial commercial circus e.g. industrial selling of "Fuck the System" SOAD albums.' (5 likes)
'stop saying "bourgeois"' (14 likes)
' lol. No better word came at the time...I don't like it either, and almost never use it. It was supposed to refer to people that have "good amount of spare time" (no need to struggle to survive) and so are able to entertain themselves intellectually, or express their feelings to others in a complex way (both seem to be the case of DFW).' (2 likes)
'You should find something you can approve of and spend your time commenting on why you approve of it.  It's the choice thing, again.  You can choose to build, or you can choose to destroy. Because of widely prevalent anxiety, stress, unease, many choose to destroy.' (9 likes)
'Wise words. Though if mine own afore seem to express something negative, know that they were typed devoid of negative feelings. (In this commentary section I'm trying to reproduce the intuition contained in "Infinite Jest" - Buddhist, BTW - as "This is water" stuff...)'
'My apologies.  I did think you were finding major fault with what DFW had to say, while I think it would help me to keep in mind, regularly.  I really liked his notion that total self-centeredness is our default setting.  That does seem very true of myself, and also seems to be the major issue in our culture.  I'm also interested in the notion of growing my  own awareness - mindfulness - beyond my default setting.
Infinite Jest is at my local library.  I intend to check it out, in both senses of the phrase.  Thanks for not blasting me for giving you advice.' (2 likes)
'Go jelq the big chubby flaccid between your legs m8.'
'Boop'
'well, that was actually a decent discussion on a complex topic. thought I would never stumble upon something like this on youtube' (6 likes)
'fuck the system of fucking the system! ' (1 like)
'It wasn't my intention to make social criticism, but to elaborate a sociological statement on the cultural nature of DFW's audience. 
Part of his literary project is to dissolve borders between high-culture and pop. It's called "nobrow". My suggestion was that to truly grasp the meaning of this "nobrow" in his work one has to be previously "cultivated", i.e. highbrow in education and probably taste. If you see this only as a form of protest, see the video again, viz. the part where people applaud before DFW says "that's how not to think!".' (7 likes)
'literally eat shit and die' (3 likes)
'I was about to TRY and say something moderately intellectual, but because I am a 'nobrow' I can't muster anything more intellectual than eat shit and die.' (1 like)
'sorry r34 it wasn't my intention to be a complete twat, but just to state that the bourgeois nature of your comment is but a flattery of the middleclass nature of conformity, in so much as that it is its very nature a contradictory term that in the circumstances requires much debate....thats what you you sound like, a twat.' (2 likes)
'That's not the point. There is a contradiction in the nobrow culture advocated by DFW. Isn't it a development of the highbrow? Young people being cool intellectuals...'
'You're right, being DFW's biographer, you're well aware of how difficult his life was and the struggles he grappled with... When people criticize stuff like this on the internet, there's a 90% chance they're projecting their own perceived shortcomings onto others. You are not the 10%. Good luck out there boss.' (2 likes)
'Of course this is my reading on this speech's content, with the correlation found in Infinite Jest. Thank you Mr. Psychologist, for the brilliant statement on the nature of most people's views. In the future I'll try to enter this Olympus of objective analysis, and avoid the influence of my past life, because this is for losers. sigh'
''*tips fedora*' (2 likes)
'It's not new capitalism, it's our culture digesting collective self-hatred within and inherent to capitalism. The inverse of dignity.' 
'Well put. I'd say the difference lies in the status of those cultural outputs of self-hatred. Instead of being seen as an outsider, a counter-culture protagonist, DFW is just an intelligent guy with interesting ideas --- do we who enjoy him share anything else?'
'In my opinion, when it comes to the 'real world' (as DFW seemed to phrase it through a cringe and gritted teeth) nobody should be viewing anyone as a protagonist through any superimposed projection. This is the sort of idolatry I think we are being warned against in his address. Who the message speaks to is almost irrelevant; but you are correct, it would probably not strike gold in the heart of the average working/middle class Joe or Jane who might only be partial to the odd pulp novel on the literary scale. It's almost irrelevant because this is nothing new; the average Rusky-red-blooded proletarian was hardly like to be seen ploughing through the hefty volumes of Marx's Capital leading up to the October Revolution (or whenever) either. Not that we should be silly enough to try and draw a direct comparison of course, I'm just saying that the modern scholarly types are often de facto ivory tower residents and their ideas trickle down our hierarchical societies more in spirit than in print (on the rare occasion they do at all, lest you have a good pamphlet). This is no problem here, DFW was not a demigod or counter-cultural iconoclast and did not aspire to be - however willing others were to build such a self satisfying effigy or whatever. But when he was on form he could hit a note that certainly resonated deeply in audiences fortunate enough to have had the privilege of a decent education and the rudiments of a certain world wariness. The humanity of that note could certainly carry a young slacker some way towards becoming a decent human being, who could then transmute those values towards others; this is ultimately what any decent writer would be thrilled to aspire to.' (1 like)
'wow, you are trying way too hard'


quinta-feira, 28 de maio de 2015

pseudo-soneto inglês — A Harpa

Miúda harpa contínua
Ígnea, sórdida, tercina
Ponteia serena o vento
Venta compraz, lamenta;
Musicais de madeira. Parvos.
Gracejos de luz de mil-avos
Alvos do quente seco e vil,
Do nobre mogno que sutil
Talhou as contínuas harpas
Que, às elevadas alturas, com asas,
      Nos — aficionados por música —
      Levou, celestes em súplica.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Grande Sertão

Ó, o Grande Sertão
Onde se se ama é amigo.
Sinistra v'reda foz,
Sombrio e indigno

Quiçá a Clavina feroz
Abate o touro e bandido
P'ra resolver o destino
Sem sucumbir o querido.

Ser tão sertão
É abandonar o vivido
Desviver compraz.

Azeitar o Cutelo
Esquentar o ponteio
Desmerecer assaz.

Mormente assim; às vezes.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Literatura, cognição e masoquismo

No processo de escrita criativa, isto é, de criar uma história fictícia e brincar com as ferramentas de narração e semiótica -- elaborar a possibilidade de conotação no leitor --, me deparei com duas coisas interessantes, uma delas constatação genérica sobre o contar-histórias, e a outra percepção sobre meu atual interesse literário, como leitor e escritor.

A primeira: notei ontem a grande força do preenchimento de espaços vazios na narrativa que praticamente toda literatura acarreta. Explico: tinha alguns personagens em mente, e queria caracterizá-los ao leitor. Para isso, acabei dispensando grandes detalhamentos, e mostrando alguns assuntos de suas conversas já me bastaram! Claro que aí há superficialidade, mas o leitor elaborará um estereótipo, o que é a intenção no caso. Pode-se comunicar muita coisa com poucas palavras.

A segunda: estou um atual adepto do masoquismo literário. Mire veja: algumas artes demandam ao apreciador que saia de sua zona de conforto e se coloque em uma posição estética exótica. Bons exemplos estão na música erudita contemporânea (ouça o réquiem de Ligeti). Na literatura, não se carecem de protagonistas: Guimarães Rosa, Lispector, Pynchon, Bolaño, Cortázar, etcétera.
  • O que une essas pessoas não são inovações no conteúdo, mas na forma. São modos de narração muitas vezes alheios ao costume, aos padrões cognitivos do cotidiano. Demandam uma saída da zona de conforto para que o leitor se situe em um local desconhecido, precisando se contextualizar em um território particular; são métodos e métodos de comunicação, de transmissão de mensagens. O masoquismo vem da necessidade de adaptação a um método ainda não visto, ainda estranho ao leitor. Gosto disso. Gosto de novidade.

Sobre os conteúdos, ainda estou reticente sobre "novidades". Os velhos arquétipos, supostamente os universais da narrativa e empatia humana com uma estória, aparentemente continuam firmes -- sofreram alterações em suas relações com os outros arquétipos, e.g.: um personagem que antes era o herói agora pode ser herói e bandido, conjuntamente, e é algo tolerado.

Outro ponto interessante: o chamado realismo histérico, uma tentativa, segundo o crítico inglês James Wood, de "transformar a ficção em teoria social", de contar "como o mundo funciona em vez de como alguém se sentiu sobre alguma coisa" (fonte: Wikipedia). Com meu passado em sociologia, isso me agrada bastante -- engendrar um mundo, um microcosmos do que o mundão, de fato, é.



segunda-feira, 18 de maio de 2015

Sobre a prepotência

Você, enquanto artista ou noutro tipo de ofício que demande criatividade, poderá se deparar com críticas que apontem para certa pretensão em seu trabalho, uma prepotência em fazer algo demais além de sua posição de reles mortal. Isso acontece principalmente com os iniciantes, os não aclamados. Muitas obras parecem ser inclusive apreciadas pelo misticismo em torno do seu criador -- se não fossem aclamados, suas obras teriam menor atenção.

Contudo, ninguém nasce aclamado. Digo-lhe: ignore críticas nesse sentido. Não são úteis, e mostram mais uma preguiça do crítico do que defeitos na obra. Ousadia e rompimento com costumes é vital para o desenvolvimento de novas ideias e cultivo do poder artístico. Este, certamente, não vive apenas de originalidade, mas sem dúvidas ela é uma de suas virtudes mais apreciadas.

Basta lembrar-nos de Nietzsche, Lovecraft, Van Gogh, Kafka, Foster Wallace, Augusto dos Anjos, etc. -- pessoas que "nasceram póstumas" e tiveram seu valor em grande parte reconhecido post-mortem.



P.S.: isso não serve para se achar por aí que és um póstumo. Aí é prepotência!

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Presos políticos

Certa vez um colega de faculdade me disse que "todo presidiário condenado por roubo/furto é um preso político".

Esse colega é socialista -- de alguma corrente de Esquerda que condena a propriedade privada como ato de violência irracional. Fiquei pensando na sua frase, e no que configuraria uma prisão como política.

Concluí que presos políticos são os encarcerados em razão do grupo dominante na sociedade impor sua ideologia e colocar os que desviam dela, ou que tentam tomar/minimizar o poder do grupo dominante, na cadeia. Isso fica bem claro em casos como o da Venezuela, em que opositores estão aprisionados por "conspiração" ou alguma outra desculpa para tirá-los da arena política e assegurar a manutenção do poder de Maduro e seu grupo.


Contudo, meu colega chamou condenados por furto de presos políticos. É uma opinião heterodoxa na sociedade brasileira -- quase ninguém concordaria com ele, afinal, propriedade privada é um direito praticado pela maioria. No entanto, a maioria não é juíza de certo ou errado; não é só de democracia que a justiça é feita.

Em um âmbito filosófico, podemos chamar qualquer condenação de política, uma vez que segue a doutrina de um grupo que consegue impor suas convicções para a sociedade (nem que seja um grande grupo, ainda assim ele deixa alguns de lado, no caso meu colega).
Infantilidade acreditar na lei como justiça impessoal desinteressada. Claro que reconhecer sua dimensão política não minimiza sua importância na sociedade -- a repressão e opressão* aos desviantes acompanha a história da humanidade.

No Brasil, o problema não são os presos, mas os soltos políticos.
__________

Acredito que devemos nos esforçar para manter o uso da expressão para casos muito desviantes, e tentar fortalecer uma cultura democrática, respeitando a vontade popular e desrespeitando quando ela vai de encontro a direitos de grupos minoritários.

Como disse São Tomás de Aquino, "uma lei que não segue a vontade de Deus não é uma lei, mas um ato de violência". Convertendo para o mundo moderno, afirmo: "leis irracionais devem ir para o lixo".

___

* 'Existe uma interessante proximidade etimológica e conceptual entre "opressão" e "repressão". Se a "opressão" é entendida comummente como uma imposição - por exemplo através de uma força física ou de um exercício extremo de poder -, de uma submissão, a "repressão" remete frequentemente para uma ideia de controlo, redução e sujeição, muitas vezes associada a dimensões psicológicas de ação - como uma auto-opressão voluntária, tal como é explorada na psicanálise enquanto processo mental de inibição ou supressão de desejos. Mas, e seguindo a proposta de Marc Augé (1977, p. 29 e seguintes) de incrementar o escopo de reflexão sobre esse termo, a repressão também pode ser política, associada a problemas de discriminação, violação de direitos humanos, etc. Desse ponto de vista, a ideia de repressão incorpora uma gama mais ampla de significados do que a opressão, tendo a particularidade de individualizar a experiência hegemónica, permitindo refletir sobre o problema simultaneamente num plano político e experiencial.' Ruy Llera Blanes. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-71832012000100011&script=sci_arttext

terça-feira, 28 de abril de 2015

Sobre o Brasil

Uma leitura realista da situação do país foi-me enviada por e-mail há alguns anos por um intelectual:

"O Brasil é um país surrealista situado a centro-leste da América do Sul. Tem uma administração esquizofênica, uma economia anormal, e apresenta essa selva salarial que você menciona, graças aos espertos do corporativismo profissional.
                Vai ser muito dificil corrigir todas essas anomalias e deformações no futuro previsível.
                Para não cair na desesperança e no derrotismo, precisamos constantemente denunciar esse estado de coisas, como venho fazendo continuamente nos ultimos 20 anos, causando até desconforto entre meus pares (pois digo que sou totalmente contrário à estabilidade no serviço público, inclusive de diplomatas).
                Sou moderadamente pessimista quanto ao itinerário do crescimento economico (que vai continuar medíocre pelos próximos anos, em função da despoupança estatal e do baixo investimento), e abolsutamente pessimista no que concerne o sistema político e a deterioração da educação, sem excluir a mediocrização das universidades públicas.
                Se voce ler o que ando escrevendo, verá o que penso.

                Espero que você não perca o espírito crítico e tenha consciência de nossas deformações, que infelizmente continuarão a se agravar."

domingo, 8 de março de 2015

2 Points of Infinite Jest

This amazing 1,000-page book by David Foster Wallace crosses many themes surrounding a gapful plot. There are many theories on the Web about what "really" happens within the narrative breaks that are constant and ultimately leave us to confabulate important pieces of the story.

Two points that I haven't seen elsewhere which I believe are very important:

1. The ordinariness of the extraordinary - Hal Incandenza's communication problem.

The first chapter is in the ending of the chronology and is a kind of fuel towards reading the whole book. What the fuck happened to Hal that he can't communicate anymore? Two mainstream theories blame the mold he ate as a kid and/or the DMZ brainfucking-drug. They are plausible theories and the facts that point to them are indeed interesting. See for instance this.

However, one thing that came to mind is on page 966. It stroke me as a blast when I read it, and it was for me the final answer: I loved the simplicity:

"Hal before a match usually had a wide-eyed ingenuish anxiety of someone who's never been in a situation even remotely like this before."

Hal gets nervous in social situations where something is expected of him. He fears his brother's and mother's opinion. He is weird when the people are watching him play against Stice and before the Gala which is an important event. Finally the College admission, where Uncle Tavis and DeLint and everybody else is expecting success from him.

Simply as that: Hal is a shy guy and unprepared for the exterior world, having been alienated at E.T.A. since age seven.

2. The "romantic" message of the beginning and ending.

DFW was very reader-aware. He must have known that the reader somewhere before the final page stopped and realised that the book was going to end in Gately's digression and "dream" of the death-party of Facklemann. It is a book ending, no matter the plot's structure. 

In this part, I realised that this final story was about Gately getting an anti-narcotic shot. A powerful drug that make people lucid. He was goddamn high before this and everything was his mind getting loaded of Dilaudid.
Maybe DFW was saying that the book was a huge trip. Not very different from getting comfortably numb with drugs. It is a kind of drool, though intellectualish. The nobrow atmosphere of the book supports this. Entertainment's function is to entertain, no matter the nature of it. High-art, mass-sports, whatever - the point is to be comfortable with the moment.

The last two paragraphs are about the anti-narcotic kicking in. Gately starts getting lucid, not before seeing a nightmare of drug-addiction and effects of "Party Time". Lucidity brings him to a beach, a bucolic ending and simple as that. No more info.

This is an Epicurean message. Life is about the pursuing of moderate Pleasure. Moderate. People can't be consumed by objects, the way so many characters of IJ are. Even Mario is alienated! (Though less than others...)
Lucidity takes Gately and the reader to a beach, where Gately is simply being.

It's a very sad ending, because we know what will happen to him. He'll become addicted to rehab...

Nevertheless there is a romantic message - of how modern world kills people's souls. We can't be, we need to cling our living to objects.
Related to this and even more sad is what happened to Hal. He developed this romantic individuality.

"I am not just a boy who plays tennis. I have an intrincate history. Experiences and feelings. I'm complex." (p. 11)

Nobody in the room understands him. They represent society. Society crushes individuality. It wants robots, "Fourier Transforms of postures and little routines" (p. 966).

So, the beginning of the book is a pessimistic view of romanticism and the ending an optimistic one. What are the consequences of this upward message residing in the last sentence?

'...'

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Executivo, Legislativo e governança

Os recentes eventos envolvendo o novo Presidente da Câmara, Eduardo Cunha e sua inimizade com a Presidenta Dilma Rousseff suscitam um debate sobre o modelo eleitoral brasileiro. Temos no país uma contradição reforçada pela baixa escolaridade brasileira e sua débil politização – pouquíssimos sabem a importância do Congresso Nacional para a agenda política, e do caráter proporcional para as eleições da Casa, onde os votos são utilizados para eleger a coligação, e não a pessoa votada. Soma-se a isso o grande número de partidos de aluguel, sem qualquer programa político concreto, e um sistema que favorece a pulverização do Congresso, sem cláusula de barreira ou cadeiras extras para o partido mais bem votado, e temos uma estrutura de jogo político que desfavorece totalmente grandes reformas no Estado – deputados preocupam-se muito mais em agradar seus redutos eleitorais e maquinar suas alianças, necessárias à governabilidade. A oposição trata-se apenas de reclamar de tudo que o governo faz na esperança de virar governo na próxima eleição.

Um sábio líder chinês disse uma vez que "não importa a cor do gato, desde que cace o rato". Era o início do atual sistema chinês que faz com que o país duplique a economia a cada década. No Brasil, estamos muito longe de uma mentalidade como essa; optamos por um modelo que favorece a contradição de ideias, críticas e o conflito de opiniões e posições políticas dentro do próprio governo. Isso não significa que somos mais democráticos, mas que nossas instituições são menos sólidas. A tomada de decisão governamental é frágil. Quem perde mais com isso é a população, ao ver as políticas públicas se arrastarem a passos de lesma por conta da burocracia e instanciação jurídica. Belo Monte é um ótimo exemplo: passamos por uma crise energética enquanto a usina já poderia estar em uso.

E agora estamos em um contexto de crise econômica e ecológica, tempos que mais demandam celeridade decisória por parte do Estado. E na mesma fase vemos um embate entre Executivo e Legislativo, Dilma x Cunha. Os dois Poderes em total desarmonia. Muito provavelmente Dilma será culpada por tudo, já que o povo brasileiro não sabe da responsabilidade do Legislativo na governança. O Executivo precisa costurar uma coalizão para alavancar medidas de importância nacional. Contudo, essa coalizão demanda a satisfação de interesses particulares dos nichos políticos, que vão de encontro àquelas necessidades nacionais.


Nesse momento, a reflexão sobre modelos políticos torna-se mais pertinente. O parlamentarismo, por exemplo, aproxima mais o Executivo do Legislativo, e pode ser o que mais precisamos para garantir a eficiência das decisões governamentais. Só funcionaria, porém, se a população se conscientizasse mais sobre a importância do Congresso Nacional para a governança de um país no qual 70% da carga tributária vai para o Governo Federal.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Civilidade

Dizer que algo não é civilizado é muitas vezes desculpa para não dizer que se está com vergonha de fazer tal coisa.

p/ + info
[Norbert Elias, O Processo Civilizador]
[Vincent de Gaulejac, As Origens da Vergonha]

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Demagogia (poema chulo)

– demagogia 
talvez seja um pouco de  da minha parte mas...
aquele momento inspirou
tanto quanto um espanto em esperanto

aquilo que eu vi em  mas não calou
talvez (ele) se sentiria um pouco atrás
se não fizesse aquilo que (eu) queria
naquilo que a  disse que faria
mas já era tarde demais
enganei (tu)
com um manso brandensaio
sim, de 


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Youtube (poema chulo)

Alguns dias no trabalho
De bloqueio e escuridão
O site eu acessava
Mas o vídeo não

Passei alguns momentos
Com tristeza consciente
Perdi o entretenimento
Que via diariamente

Eis que no fim de um dia
O Windows atualizou
Pacotes se instalariam
Modificando o motor

Abri o site na manhã seguinte
Com a esperança matinal
Renascia ali um ouvinte
De entretenimento genial

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Infinite Jest's reference to H.P. Lovecraft

I have just found a nice reference in David Foster Wallace's post-modern novel Infinite Jest to other great writer who I'm very fond of, H.P. Lovecraft.

It's located between page 648 and 651; the scene is on November 13th, YDAU - Kate Gompert & Geoffrey Day discuss It. Day tells Gombert that he had also experienced depressive phenomena in his own way. At first sceptic, Kate increasingly pays attention to his tale, as it is a very similar to how she expresses her suicidal feelings.

First I thought about Lovecraft due to Day's terms along with first-person style:

As the two vibrations combined, it was as if a large dark billowing shape came billowing out of some corner in my mind [...]
Katherine, Kate, it was total horror. it was all horror everywhere, distilled and given form. It rose in me, out of me, summoned somehow by the odd confluence of the fan and those notes. It rose and grew larger and became engulfing and more horrible than I shall ever have the power to convey. I dropped my violin and ran from the room. [...]
It was a bit like a sail, or a small part of the wing of something far too large to be seen in totality. It was total psychic horror: death, decay, dissolution, cold empty black malevolent lonely voided space. It was the worst thing I have ever confronted.

Furthermore, this horror is conveyed by a specific vibration of Day's violin mixed with the particular sound of a fan's blow's resonance in the window's glass. This reminds of Lovecraft's short story, The Music of Erich Zann.
Finally, in this scene we know that Day has attended Brown University in Providence RI - Lovecraft's beloved homeland, where he spent most of his life.

As I progress in Wallace's epic 1070-page prose, he continues to impress with his multitudinous display of styles and themes. I'd never guess that Lovecraft would be referenced, though it's pretty clear there are no unreasonable expectations for what will come next in this familiarly weird novel - Infinite Jest.