quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Oração por Satã

"Deus, por favor, rogo-Lhe a compaixão necessária com aquele humilde servo. Tende piedade de sua petulância. Pois todos nós, seres vivos, vivemos momentos de escuridão, quando Vossa luz não consegue nos atingir. Anjo ou humano, somos todos imperfeitos perante Vossa elevada altura. Sois a perfeição, e imploro-Lhe pela sabedoria da compaixão perante Vossos servos pecadores. Lúcifer o desafiou, mas o Senhor já perdoou outros pecadores, que gesticularam a penitência e o arrependimento diante de Vossa graça. Dê-lhe essa possibilidade, é o que esse humilde servo pede nessa prece. A Salvação enquanto pecador, Vosso olhar divino para um anjo caído, relegado ao oblívio pelas Eras. Ó Poderoso, peço-Lhe a compaixão perfeita para todos o seres vivos, e a abstenção pelos pecados dos nossos antepassados. Iluminai nossa singela consciência e retirai-nos da Escuridão, nós humanos e todos com livre arbítrio, impotentes perante Vossa Graça. Perdoai Satanael, ó Pai, por seu momento de ignorância e imperfeição diante de Vossa vigilância. Pois todos nós, seres inferiores, passamos por maus momentos, e sabeis que a Bondade perfeita não está em nosso alcance. E defronte a Eternidade ao nosso lado, abdicamos de arrogância, mas somos vítimas de infortúnios. Suplantai tal fraqueza, ó Pai, com vossa imensa Compaixão, e concedei novamente a Salvação àquele pobre servo infeliz, condenado ao Fogo Eterno por um mau momento. Escutai suas preces, e tende-lhe piedade, assim como com todos nós, demais imperfeições danadas pelo mistério da Criação."

"Mas quem reza por Satã? Quem, em dezoito séculos, tivera a simples humanidade para orar pelo pecador que dela precisava mais?" - Mark Twain

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Fragmento do diário de Welton Muniz

" Hoje no trabalho presenciei um evento daqueles que causam pesares, mas que também trazem a alegria de saber que não foi com você. Fui logo acometido por um grande alívio e sentimento de superioridade, intensificados pelo código institucional que me exime de qualquer possibilidade – por mais apocalíptica que possa localizar-se a conjuntura da nação – da vicissitude ocorrer sob minha pessoa. O misto de felicidade e comiseração por meu companheiro demitido foi curioso e causou confusão cerebral e linguística. Senti um turbilhão de labirintos darem voltas giroscópicas sobre um centro de gravidade, que no caso seria meu eixo de valores.
Mas agora já está tudo bem. A rotina já voltou, e não houve muitas cerimônias no último dia do meu amigo de Divisão, demitido abruptamente após meia década na repartição. As muitas demissões da empresa terceirizada, responsável por uma pá de serviços baixos, causaram algum ti-ti-ti em dois dias. No terceiro já estava esquecida, afinal se pediu um corte de 30% nos gastos. O clima nacional é bem baixo-astral, ao menos para economistas e demais entendidos. A massa está otimista, graças a Deus. Esse terceiro dia, quando nunca mais veria meu amigo de Divisão, exibe um sentimento purificado. Sei o que é. Já está tudo bem. Posso escrever meu diário e recordar eventos que são sintomas do sistema e do Primeiro Estado, do qual faço parte. Eu sou um herói e um deus. Meus sintomas são as pedras do Olimpo, eu sou um aristocrata. Um burocrata, e nada irá me tirar desse pedestal. Que venham os cortes, as crises. Eu tenho direitos. Eu sou um cidadão, maior que tudo e todos. Meu colega pode ter ido embora, agradeço. É triste ver um companheiro de rotina partir, depois de tantas conversas jogadas fora. Ele também era flamenguista. Mas agradeço a possibilidade de me rever no meu lugar, este canto tão perfumado e acolchoado, protegido do mundo exterior, tão horroroso que tira as pessoas do seu direito de trabalhar onde estão, sem rodeios, direitos à defesa, e sem motivos senão o corte de despesas. Sem possibilidade de se recorrer à Justiça. Até quando o mundo será tão cruel com o povo? Por que o dinheiro não é infinito?"

- W.M., nomeado* e empossado




* Ministério dos Ministros Administrados. Portaria nº 366, de 21 de junho de 2010. Nomeia, em caráter efetivo, em virtude de habilitação no concurso, regulado pelo Edital de 6 de novembro de 2009, de acordo com o artigo 9º, inciso I, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, para exercerem o cargo de Assistente de Performance, da Carreira de Fidalgo-Amanuense, do Quadro Permanente do Ministério dos Ministros Administrados, os candidatos abaixo relacionados [...] e dá outras providências. Diário Oficial União, nº 124, 01 jul 2010; Seção 2, pp. 70. ISSN 1677-7050

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Folha de S. Paulo - Estatais aos pedaços / Coluna / Eduardo Giannetti


Os Donos do Poder é leitura obrigatória para quem quer entender a história sociopolítica brasileira - dou-lhe cinco estrelas. Um dos pontos importantes para a atualidade é a percepção do Brasil como pré-moderno, pois o irracional e contraditório tem força institucional. Nossas instituições podem parecer democráticas, mas são de fato representativas? Os políticos fazem o que o povo espera deles? O mesmo vale para o liberalismo, vivemos mesmo em uma economia de mercado? As empresas competem pela qualidade de seus produtos, ou por quais conseguem um melhor esquema com o poder público?

Se o projeto nacional em vigor é o da democracia liberal, estou convencido que ainda faltam alguns anos-luz até atingirmos um grau decente. Na prática vivemos uma oligarquia de grupos que se perpetuam no poder e impedem o desenvolvimento da sociedade civil: o Estado bloqueia a livre iniciativa, sustenta uma casta de privilegiados (altos funcionários públicos e grandes empresários), e assim vamos seguindo, com a reprodução desse padrão garantida pelo caráter de nossas instituições, que não valorizam a inovação e tampouco a competição.




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O paradoxo salta aos olhos. Temos um governo de perfil estatizante, cioso da sua orientação nacional-desenvolvimentista, mas que logrou a proeza de arrebentar nossas duas principais empresas estatais. Obra de raro descortino.
A Petrobras, orgulho nacional, não só perdeu a condição de apresentar um balanço auditado crível como será forçada a republicar balanços anteriores, corrigindo as baixas referentes ao pagamento de bilhões de reais --quem saberá ao certo?-- em propinas nos últimos anos (outro exemplo da máxima, atribuída a Pedro Malan, de que "no Brasil até o passado é imprevisível").
Já a Eletrobras, vítima da MP 579, de 2012, que antecipou a renovação das concessões de energia mediante a redução das tarifas, acaba de admitir que não disporá de recursos para pagar dividendos neste ano.
Além da queda do seu valor de mercado, com ações negociadas abaixo do valor patrimonial, a Eletrobras teve prejuízo de R$ 2,7 bilhões só no terceiro trimestre deste ano, o que inviabiliza a remuneração mínima de 6% prometida aos acionistas.
Os caminhos do inferno, é claro, diferem. A ruína da Eletrobras foi fruto das boas intenções do governo Dilma (o setor elétrico, aliás, teria sido o tema da dissertação de mestrado da presidente na Unicamp), ao passo que a devastação da Petrobras resulta, entre outras coisas, da ação articulada de profissionais: uma quadrilha de empreiteiros, burocratas, lobistas e dezenas de políticos que conferiu ao lema getulista --"o petróleo é nosso"-- inédito e inadvertido significado.
Mas existe um substrato comum a esses descalabros. Ambos refletem a deformação patrimonialista do Estado brasileiro --"o capitalismo politicamente orientado", no dizer de Raymundo Faoro em "Os Donos do Poder", que aportou por aqui com as caravelas, atravessou cinco séculos de história e foi alçado a novo patamar no atual governo.
As facetas do patrimonialismo relevantes nestes casos são 1) o microgerenciamento e a tutela do Estado sobre a atividade econômica, alterando regras e revendo contratos de forma arbitrária ao sabor de conveniências circunstanciais e 2) o condomínio do poder calcado na simbiose promíscua entre público e privado aliado ao loteamento de órgãos e empresas estatais como forma de cooptação política.
A probabilidade de existir corrupção aumenta à medida que os governos se envolvem em todos os meandros da economia. A debacle da Eletrobras e o escândalo da Petrobras chocam pela magnitude, mas estão em perfeita linha de continuidade com a atual recaída patrimonialista.
O Brasil carece de instituições que mantenham os cidadãos e a economia a salvo dos abusos, inépcia, venalidade e ambições dos donos do poder.
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domingo, 3 de agosto de 2014

Só sei que nada sei

O cientista e o ser humano moderno devem ter em mente que não sabem de quase nada. Tanto o mundo externo quanto o interno abarcam possibilidades que nenhuma mente consegue apreender de forma plena. Viva o neokantismo!

Já dizia Confúcio há milênios: "Sabedoria é distinguir o que você conhece do que não conhece." Humildade necessária para o acadêmico, o cientista, o sociólo...

Sociólogo? Às vezes parece que não. Caso ilustre é o de Bruno Latour, de quem já reclamei. Ele e outros levam a sério demais a ideia de que "a ignorância é uma bênção", e então levam seu sacramento para seus textos e...método?

Ele assim o faz desde seu livro mais conhecido, Vida de Laboratório. É uma proposta realmente interessante, fazer uma etnografia de laboratório. Mas lá já vemos as proposições mais absurdas de Latour, do tipo "nosso discurso leigo vale tanto quanto o das ciências exatas".  O cara pensa que tudo é discurso, e que a experiência está no mesmo plano do simbólico.

Opto por fugir desse pessoal, que chamo de sociólogos monistas ontológicos. Os que gostam de jogar no mesmo caldeirão experiência e razão. Acabam tendo as mentes mais estreitas: levam o assunto de sua profissão (sociabilidade e seus efeitos no mundo) para o plano da realidade total. Assim, veem-se no direito de povoar a disciplina com suas digressões pessoais, desapegadas à experiência de muitas pessoas (menos às de seus cultistas). A ignorância, se não existisse, transformaria esse tipo de sociologia em poesia: estética linguística.

Prefiro a simplicidade. Já que não sei de nada sobre o mundo, que minhas ferramentas de investigação sejam as mais claras e eficientes possíveis, para não perder tempo afiando-as, e sim utilizando-as.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Nietzsche e Budismo

Como um ocidental característico, algumas leituras filosóficas foram motivadas pela busca de um conteúdo substantivo sobre o mundo, e o que está por trás dele. Na minha adolescência tardia, o pensador com que mais me identifiquei, e que abracei as ideias, foi F.W. Nietzsche. Assim como ele, eu estava interessado pela busca da verdade, custe o que custar. E também como ele, tive uma "fase anal" (termo de Freud) bastante acentuada: ela se caracteriza pelo sujeito que imagina conceitos como impregnados de uma forte substância que os "eleva" para um status mais alto que o mundo sensível e material.

Nietzsche aponta que isso é um cancro ocidental que acompanha nossa mentalidade desde Platão. Sua superação da "fase anal" o levou a outro extremo, talvez: a "anti-fase anal". Mas isso, acredito, é apenas se o olharmos com as lentes anais que ele roga que sejam descartadas. As ideias, sugere, não devem ser levadas tão a sério, pois vão e voltam com uma facilidade proporcional à extensão da medida de tempo (resumo: milênios destroem ideias e criam novas).

A alternativa a esse cancro está no equilíbrio da fase genital: "cabeça fria e coração quente", diz Zaratustra. É medir com precisão o que é realmente a linguagem e os sentimentos. Estados de espírito transitórios. Os elementos que estão mais "grudados", como Deus para um cristão, são fruto do condicionamento da cultura ocidental. O problema, veja, não está na ideia de Deus em si, mas na atitude que o rebanho toma em relação a ela. Ele a deixa dominá-lo.

As ideias são apenas nuvens, diz a doutrina budista. Vem e passam. Não são mais do que a "Maya" - o véu ilusório que nos esconde a essência das coisas (essência da falta, do vazio, do nihil). A ética ideal (desculpe o trocadilho) está no equilíbrio entre prática (mundo material sensível, yin) e ideia (linguagem, yang), para nenhum dos dois ser mais forte que o outro.

Tanto Nietzsche quanto o Budismo advogam esse equilíbrio. Nietzsche criticou o desequilíbrio ocidental em favor da Maya: o mundo real de Platão é o das ideias, e no ocidente isso teve efeito desastroso.
Tenho a impressão que no Oriente as coisas são mais equilibradas, mas isso tem um efeito também "negativo" (e.g. a despreocupação ecológica).

Há uma interessante discussão em inglês:
http://www.orientalia.org/archive/publications/english/buddhism-and-nietzsche/


Eu discordo da interpretação desse texto: para mim o Übermensch e Buda (os que atingem o Nirvana) são iguais. O que os une é relação tomada frente às pulsões. O que os diferencia, aparentemente, são os tipos de pulsão que ocorrem (Buda está para o monge pacato quanto o Übermensch está para o Rambo). Prefiro abstrair essas diferenças e resumir os dois no aforisma: "Cabeça fria e coração quente." E atinjamos a fase genital.


segunda-feira, 7 de julho de 2014

Baudrillard e Matrix

Acho que Baudrillard não gostou de Matrix por ser "americano demais", por assim dizer. Muita explosão para um francês. Não obstante, suas ideias estão grosseiramente expostas no primeiro filme; vendo a trilogia como um todo elas estão beeem retratadas.
Outra curiosidade: o livro Simulacros e Simulação é uma perfeita ironia da sociedade de consumo que Baudrillard pseudocritica na obra. Isso porque está cheio de pompa estilística, cujo auxílio em expor o que seria o "Simulacro" está na autofagia dessa denúncia: vivemos em um simulacro, e o vemos com suas próprias lentes. Tudo é mercadoria, e pra vender essa ideia, nada melhor que ser criativo na exposição.

clique no link abaixo; é uma ordem.

"Matrix" revisitado: por que Jean Baudrillard não gostou do filme?



quarta-feira, 2 de julho de 2014

Citação de Piada Infinita[PT] (Infinite Jest) David Foster Wallace

[o contexto é bem bizarro, um espião transsexual conversa com um terrorista separatista de cadeira de rodas, em um deserto perto de Tucson, EUA]

"- E se algumas vezes não há escolha sobre o que amar?" E se o templo vem a Maomé? E se você apenas ama? sem decidir? Você apenas o faz: você a vê e naquele instante perdeu a sóbria calculabilidade e não pode escolher senão amar?
A fungada de Marathe continha desdém:
- Então em tal caso seu templo é o ego e sentimento. Aí nessa instância você é um fanático do desejo, um escravo dos sentimentos individuais subjetivos do seu ego estreito; um cidadão de nada. Você se torna um cidadão de nada. Você está por si mesmo e sozinho, ajoelhando para você."

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Sociólogos filósofos

Muitas vezes sociólogos tentam dar uma de filósofo. O resultado é desastroso em um bom número de casos. Por quê?

Corriqueiramente o ramo da filosofia em questão é a metafísica. Nela se encontram todas as proposições de natureza subjetiva que queiram ainda assim falar algo sobre a realidade externa. "Deus existe" é metafísico porque o nome "Deus" se refere a algo que vai além da experiência.

Ir além do que os fatos apontam, pode muito bem levar à metafísica. E essa extrapolação é BASTANTE comum entre sociólogos.

Agora veja, não tenho nada a priori contra isso. Na verdade, metafísica pode ser bem divertido, além de fazer bem para o desenvolvimento da criatividade e imaginação. Então qual o problema?

O problema é misturar metafísica e ciência. Esta se limita ao plano objetivo/factual, e suas teorias são construídas com base em dados (testáveis). Aquela...bem, não sei ao que se limita!

Enfim, se as duas se misturam, temos algo do tipo "pregação". Nada contra pregar, mas se eu não concordo, então aquilo não vale para mim (se você acha que deveria valer, tenho medo de você).

Assim sendo, é razoável misturar algo que só vale se você concorda com a ciência, que pretende construir conhecimento que vale concordando ou não?

Apenas lembrando que estou sendo exagerado, e que seria melhor mostrar exemplos do que quero dizer. Não sou um newtoniano ao pé da letra, gosto de metafísica até. Mas advogo a separação dos domínios, para o bem da comunicação e das conquistas científicas dos últimos séculos.

Conclusão: sociologia é ciência? Chamam muita coisa por aí que definitivamente não é ciência de sociologia. A melhor resposta que posso dar é: dividam-se! Criem duas disciplinas, uma científica e outra não, para evitar confusões... Sociólogos metafísicos dão muito trabalho...



Bom, tais ideias poderiam e deveriam ser mais bem expostas. Contudo, estou usando o Blog como um museu de ideias, para no futuro olhar para o que escrevi no passado, e refletir sobre minhas ideias. Talvez eu volte para melhorar o texto em breve...

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O "Ei, você é burro" de Pondé

A última cartada de Luis Felipe Pondé foi o texto "Por uma direita festiva" que gerou infinitas controvérsias.
Farei uma análise otimista, pressupondo que Pondé não é burro e que possui conteúdo filosófico significativo.

Primeira coisa: o texto não é sobre "pegar mulher". O fato de ter causado tanta discussão, mostra que isso ainda é algo relevante em nossa sociedade. Quantos não ficaram ofendidos com a objetificação das mulheres da superfície do texto? O peso negativo da abordagem mostra que temos um problema grave de gênero. Ponto para o Pondé, que pôs o dedo na ferida.

Segunda coisa: o texto é destinado ao público de esquerda que detesta Pondé e fica reclamando dele. Para ficarem ofendidos, e ficarem contentes com a burrice da direita. Mas Pondé não é dessa corrente. Não de verdade. Ele gosta de ser do contra, só isso. Tem preguiça de idealismo juvenil, que acha que o mundo pode ser bom. Por isso "virou à direita" - porém falar assim é tolice, ele é apenas um melancólico.

Mas o jovem de esquerda padrão lerá e ficará ofendido. Pondé atinge seu objetivo: denunciar uma condição humana de forma pessimista, que é sua verdadeira "vibe". Claro que a vítima não percebe isso, e o filósofo se premia a exclamação "Ei, você é burro!". Quer entender mais? Preste atenção ao final do texto: viremos uma Venezuela, e os liberais vão pegar todas. O acaso histórico transforma em heróis a esquerda aqui, e a direita lá (dentro do círculo moderninho-politizado-jovem).

Sexualidade nunca foi muito importante para Pondé: as pessoas que se comam da maneira que quiser. E que preguiça da controvérsia que gira esse assunto!

Já a forma com que certas pessoas abraçam um conjunto de ideias, se vendo como partidários de um projeto rotulado como esquerda, isso o diverte. Ama comentar com acidez e tentar destruir esses muros ideológicos com razão cínica.

Se você acha Pondé uma besta, ele tentou mandar um recado com esse texto: "Se ofenda, e prove sua burrice!". Sua animosidade lhe incomoda. Qualquer colorido lhe arde os olhos. Se daqui a dez anos o idealismo da moda for um liberalismo vendido como salgados em universidades, preparem-se para o texto "Por uma esquerda festiva 2.0".

terça-feira, 8 de abril de 2014

Porque crítica ideológica é uma questão de gosto

Em um texto anterior, escrevi sobre uma controvérsia que envolve entretenimento e política. Hoje volto a ela, para tratar de um assunto velho e ultrapassado, mas que é interessante de medir seus pontos.
Uma das "armas" mais interessantes dos marxistas é a chamada ideologia, ou a crença em uma configuração mental que faz as pessoas aceitarem seus modos de vida.
Não há nada de errado com essa ideia, afinal, as pessoas crescem em determinados contextos e aprendem a pensar de acordo com o que lhes chega.

Mas a partir daí, quase nada pode ser dito sem ser subjetivo. Qual a ideologia de um discurso x? E a de Fulano? As respostas são uma rede de ideias, que podem estar aliadas com coisas aparentemente opostas. O nazismo tinha nacional-socialismo no nome oficial, e se opunha ao comunismo (também chamado de socialismo real). Um partido comunista governa um dos maiores países capitalistas da Terra. Quem é o dono das ideias, para estabelecer como elas podem se relacionar, e definir com coerência e clareza as diversas doutrinas existentes no planeta?

Não há. Ninguém pode fazer isso. Qualquer um pode inventar uma ideologia. Elas são efêmeras, podem aparecer e sumir num piscar de olhos. Ao que elas se referem, é independente de uma reflexão racional sobre elas. Ninguém falava em ideologia na Idade Média, mas o feudalismo existia. E chamavam seu sistema político de "ordenação divina", e quem somos nós para contrariá-los?

Há um cosmos de ideologias, muitas vezes em um conflito para ver quem fala mais alto. Elas são medidas dentro de uma outra ideologia, ou reflexivamente, por autoanálise. Não há como avaliar qual a melhor sem recorrer a uma ideologia, que também pode ser questionada e por aí vai.

E se não há melhor, torna-se uma questão de preferência: José critica o feudalismo, pois prefere o capitalismo. Adorno critica o capitalismo, pois prefere o utopismo. José e Adorno, um brasileiro e outro alemão, são da mesma ideologia. Uma que analisa as outras. Cada um tem seus seguidores, com práticas distintas. As pessoas têm formas particulares de passar o tempo.

Lembrando que isso é uma redução grosseira do conteúdo das ideologias. Mas realmente aqui o conteúdo não importa. Estou olhando para as "armas": argumentos tentando se erguer como razoáveis. Os choques culturais são cada vez mais raros, mas ainda existem, e estão aí como prova. Não há como dialogar com uma cultura realmente alternativa. 

quarta-feira, 12 de março de 2014

A Guerra Fria está de volta... na mídia

Pare e pergunte: "Por que publicar coisas sobre a política americana é mais importante que sobre a política russa?"

Nos dias de trabalho, acompanho uma seleção de notícias internacionais, selecionadas pela Assessoria de Imprensa do Itamaraty. Se elas são de fato as que tomam as frentes das mídias, há algo curioso acontecendo, envolvendo o atual conflito entre Rússia e Ucrânia:

Aparentemente, há uma mobilização de mídias ocidentais (New York Times, Washington Post, Financial Times, The Times, The Guardian, O Globo, Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo, etc.) para colocar a Rússia como vilã da história. Mais especificamente, Putin, o presidente maldoso. A tomada de poder da ex-oposição ucraniana é tomada como fato consumado, e sua legitimidade já foi aceita por essas mídias (e pelo governo norte-americano). Não se questiona essa incursão política, que exilou o ex-presidente ucraniano na Rússia.

Esse alinhamento com interesses políticos ocidentais (o governo ucraniano atual é mais pró-União Europeia que o anterior, alinhado à Rússia) na mídia é perceptível pela seleção das notícias: falam bastante dos bastidores políticos norte-americanos, o que estão decidindo, quais sanções irão tomar, o que o atual governo ucraniano está fazendo para se defender dos russos, visões de analistas, etc.

A maioria das notícias e artigos publicados toma como ponto de partida uma familiaridade do leitor com a política externa desse bloco anti-Rússia. As políticas russas são muito pouco abordadas, como se fossem "alienígenas". Os russos são os "outros", que estão invadindo o "nós", do qual os atuais soberanos da Ucrânia fazem parte.

O que se passa na Rússia é mais misterioso do que no bloco adversário, e assim fica mais fácil condená-la. A Guerra Fria, nesse sentido, não acabou. Há uma grande mídia servindo como agente dos interesses políticos dos Estados Unidos e União Europeia, mobilizando a opinião pública para enchê-la de informações seletivas: muita coisa sobre o lado ocidental, e pouca sobre o oriental.


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Os ventos da massa: Game of Thrones e House of Cards

Uma coisa que chamou a atenção ao assistir essas duas excelentes séries está no eixo elite-massa. Nas duas, temos apenas elites sociais como personagens principais: em GoT, são todos nobres de casas tradicionais, soberanos de terras e atores políticos de grande peso. Na sua pirâmide de poder, os protagonistas só perdem para o Rei de Westeros, que não é sujeito na história (isto é, não tem sua perspectiva como centro de narrativa). 

Em House of Cards (ainda não assisti tudo, estou na primeira temporada ainda), o foco está no jogo político do Congresso norte-americano, com personagens deputados, atores de alto escalão em Washington, de diversos lados distintos: defensores de interesses de grupos específicos (lobistas de sindicatos, de corporações, etc), fazendo valer o conflito de forças que movimenta a política. 

Mas direciono o olhar aqui pra outra parte das duas séries: a ausente. A massa. Nas duas, há obviamente uma multidão de pessoas que fazem parte das duas sociedades (a americana e a "westerosi"). Elas são bastante relevantes para o jogo político, sendo tratadas como algo com que a elite deve lidar. Às vezes ela está a favor, outras, contra. Mas em todas as ocasiões é uma peça de articulação, que deve ser lidada com estratégia, para orientar seus ventos. 

A elite é o vento da massa nessas duas séries de TV, as mãos que movem as peças de xadrez. E a massa são peões com pouca força individual, mas bastante coletiva. Individualmente, ela não existe, não é nada. Um indivíduo da massa não tem identidade alguma, e se tem já não é mais massa.

Duas cenas são ilustrativas. Em HC, Frank organiza um jantar de gala para uma massa de poderosos, todos ali convidados para juntar dinheiro para a ONG de sua esposa, Claire. São massa manipulada para os fins de Frank, não importando muito que sejam. Na sua maioria são figurantes. Na mesma cena, uma massa de protestantes está na porta do evento, articulada pelo inimigo de Frank em uma questão educacional, o sr. Spinella. Os poucos personagens relevantes na situação estão contornados por muitos à primeira vista irrelevantes, mas que em seu conjunto são bastante importantes.
Uma das massas, a de professores.




Em GoT, a família real desce ao cais da cidade para despedirem-se da princesa, que irá partir para terras vizinhas, como parte de um acordo político (ela vai na prática ser uma refém). Na volta, são atacados por uma massa de plebeus famintos, ensandecidos pela falta de comida na cidade. Os revoltosos estão malucos, e quase estupram Sansa Stark. Quem são eles? Uma massa de malucos, empecilho para a nobreza, que os vê como consequência da atual situação política. Afinal, naquele momento estão em guerra, e perdendo. A comida não entra na cidade, apenas a elite não passa fome. Mas para a massa, a consequência do jogo político é retratada no ataque aos poderosos.
A massa de famintos ao fundo. Tyrion, protagonista, entre dois guarda-costas. 
O único rosto visível é o de Tyrion.













Adendo: minha concepção de elite e massa vem de Nietzsche. Ele chama massa de rebanho, e suas ideias são bastante profundas sobre tais temas. Para ele, há um jogo contínuo entre as duas forças, entre a superioridade de poucos e a inferioridade de muitos. O objetivo do ser humano é a ascensão. Mas como ela é muito difícil, poucos conseguem. E ela só é boa por isso. Se fosse algo comum, não teria valor. Pra se ter valor, tem que ser especial, único. Elite. Polêmico, não?
Cuidado ao ler essas palavras. Elite e rebanho não são coisas estáticas. Mudam toda hora. É um conflito dialético, mais ou menos. Mas nesse grau de abstração, não há síntese, apenas duas forças contrastantes se movimentando pelo decorrer do tempo.

Governo critica imagem do Brasil dada por produto da Adidas

(Escrevi escutando isso.)
Site da empresa nos Estados Unidos oferece peças com mensagens de duplo sentido
Paulo Favero
SÃO PAULO - Uma linha de camisetas da Adidas sobre a Copa do Mundo está gerando polêmica por causa do duplo sentido que o material traz. Ao mesmo tempo que fala de Brasil e da paixão pelo futebol, também reforça o apelo sexual num momento que o governo do País luta para não passar essa imagem internacionalmente. O material causou revolta na Embratur, que promete formalizar nesta terça uma reclamação à empresa alemã de material esportivo.
"Vamos entrar em contato com a direção da Adidas, fazendo um apelo para que reveja essa atitude e tire os produtos do mercado. Essa campanha vai no sentido contrário ao que o Brasil defende", explica Flávio Dino, presidente da Embratur. "Nosso esforço é voltado para a promoção do Brasil pelos atributos naturais e culturais. Uma iniciativa dessas ignora e desrespeita a linha de comunicação que o governo adota."
Uma camiseta apresenta a frase "Lookin’ to score", que pode ser traduzida por "em busca dos gols". Mas também é uma expressão que significa "pegar garotas" de uma maneira mais sexual. A imagem de uma moça de biquíni não deixa dúvidas da dupla intenção. Ela está à venda no site da adidas nos Estados Unidos (www.adidas.com/us/) por US$ 25 (R$ 58,50) e parece fazer parte de uma nova linha.
A outra camiseta coloca um coração amarelo que também pode ser enxergado no formato de nádegas com um fio dental verde. Também passa uma mensagem de duplo sentido e fala "Eu amo o Brasil". No site, custa US$ 22 (R$ 51,50). O portal do jornal O Globo já havia mostrado a peça nesta segunda-feira.
"O governo brasileiro discorda dessa linha de produtos, não aceitamos o turismo sexual. Claro que as pessoas podem namorar durante a Copa, mas não queremos uma mercantilização disso. Acaba sendo inclusive um desserviço à própria marca, porque ela está se associando a um tema muito negativo", comenta Dino.
O presidente da Embratur disse que isso atrapalha a organização do Mundial. "A gente luta para afirmar uma imagem positiva do evento, e isso fortalece os discursos críticos à Copa. O problema é a apropriação disso e deturpação do que pode ser a Copa. Já comunicamos nossas agências espalhadas por 15 países para que façam a divulgação de que não aceitaremos isso."
A Adidas foi procurada pela reportagem do Estado, mas até o fechamento desta matéria ainda não tinha se pronunciado. O caso foi enviado para a matriz da empresa na Alemanha, porque o material é comercializado no exterior e por isso é a sede global que deve se posicionar. A Adidas é patrocinadora oficial da Copa do Mundo.
Sou brasileiro e penso: o povo aqui é muito sexualizado. Já frequentei muitos eventos de massa, tanto de classe alta como de classe baixa. Em ambos o sexo é fundamental. Os homens "caçam" mulheres, tentando dar beijo e possivelmente transar. Mas o normal é só dar beijo, o que implica em beijar várias pessoas diferentes em um mesmo dia. 

Não sei se o Brasil é mais sexualizado que outros países, mas com certas as massas aqui se divertem na sexualização. Dificilmente um jovem solteiro mainstream gosta de baladas em que não terá chances de "pegar garot@s". Os eventos de músicas mais populares exalam sexo: funk, forró, axé, house, samba.

O CARNAVAL. Quando era solteiro, aproveitava apenas a dimensão sexual do carnaval, já que detesto música mainstream brasileira (e nem acho ficar bêbado tão legal). Me envolvi na massa, porque o sexo me estimulava.

O sexo faz parte da cultura do país. Temos uma cultura sexualizada. Não é minha cultura, mas essa generalização faz sentido como figura de linguagem (sinédoque, ou a generalização para ilustrar uma ideia). Afinal, não sou um brasileiro médio. Mas posso reconhecer as características de um. Sexo está lá!

Agora, o governo quer esconder isso. Quer negar a cultura do brasileiro médio. Acha que isso causa uma impressão negativa do país. Isso sem dúvida causa impressões errôneas em turistas, que só recebem meia informação, que interpretam de forma distorcida - veem a cultura sexualizada como "sexo fácil". Mas o governo, representando uma ideologia de elite refinada, ao bater de frente com a Adidas está dizendo: "não gosto da cultura brasileira. Prefiro a europeia cristã, de onde importo meus valores".

Talvez esteja na hora da política brasileira ser mais brasileira, e menos europeia cristã, aceitando a nossa cultura sexualizada. Mas não defendo isso ao pé da letra, pois isso resultaria em ter que defender valores conservadores do brasileiro médio. Pois se de um lado há a cultura sexualizada, de outro há a cultura evangélica. Se formos atentar para esse último, prefiro ficar importando ideias europeias para configurar nossa ideologia.

Mas para não ficar expandindo em polêmicas, concluo: a reportagem acima mostra a distorção entre elite e massa, a primeira representando ideologia ausente na multidão, e a segunda tendo práticas vistas como negativas. E nesse caso, a elite não tem poder! Afinal, a cultura brasileira é "lamentável" há quanto tempo, sem que a elite refinada pudesse mudá-la?

Adendo: nessa outra reportagem há uma crítica a uma imagem europeia do Brasil, representada no uso das aspas, que indicam uma ideia com a qual o jornal não concorda (principalmente em "incivilidade"). Já é outra ideologia aqui, mais nacionalista, que tenta desmentir a visão do estrangeiro centrada nos problemas criminais existentes no país. Talvez não seja nacionalismo, mas provincianismo, já que está se tratando mais de Brasília. Há muito pano pra manga aqui, como sempre, mas concluo: ideologias diferentes convivem até na mesma classe social. O nacionalismo e a colonialidade ideológica estão em nossa elite, assim como mais elevada inconsciência crítica (na elite do interior, por exemplo).

Adendo²: os vídeos abaixo também dialoga com o assunto. Aqui, a elite não aparece como importadora de valores, mas como portadora de inteligência, oposta à massa burra que caracterizaria a cultura do brasileiro médio.




O conceito de neymarização é muito bom, PC Siqueira filosofa com grande habilidade nesse vídeo.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Poema de Bruno Latour

nós
não temos mais certeza
sobre o que
"nós"
significa:

parecemos
estar atados (por)
"nós"
que não se parecem com
nós sociais regulares.


Fonte:
http://dss-edit.com/plu/Latour_Reassembling.pdf
página 6.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Arte e ciência e o sublime

Um filósofo velho e inteligente (Kant) certa vez pensou que o cerne da arte estava na experiência estética. Há alguma coisa em nós que é ativada pela obra de arte, e nos torna por alguns momentos diferente. Esse efeito era a busca de quase toda a arte, pelo menos até o século XIX ou XX (não sei muito de história da arte).

O velhote chamou isso de "sublimação": o sujeito "sai de si" durante a experiência sublime, transcendendo as fronteiras da sua identidade e racionalidade, e forças inefáveis tomam conta dele.
Sublime assim é algo que desloca nossa individualidade para um plano secundário, e acentua o contato com o momento vivido: "enjoy the moment".

Pelo menos um tipo de arte (a épica? não sei o nome que dão) tem como objetivo produzir essa sublimação entre os apreciadores.

Mas, se a sublimação é um "sair da individualidade", ela tem muito a ver com ciência. Afinal, os cientistas ao trabalhar seguem regras determinadas, e desejam tirar ao máximo os vieses pessoais que podem danificar seus conhecimentos.Querem fazer algo que não valha somente para eles ou um grupo específico, mas para qualquer coisa encaixável nas suas geometrias analíticas.

O sublime está na arte como objetivo, assim como está na ciência como método. Viva!

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Weber é niilista?

Quando nos deparamos com os textos sociológicos de Weber, nos damos conta de uma profunda distinção que se cristalizou nos estudos sociais posteriores, e não apenas em sociologia, mas também em economia e ciência política. Os seres humanos e suas ações podem estar em dois planos. De um lado, temos o plano da lógica, da formalidade e dos grilhões do mundo físico. Aí se inserem os fatos e a racionalidade. Dentro dessa dimensão, os debates seguem os ditames da lógica e ciência (quer queiramos ou não).

Mas as coisas não são apenas questão de arranjar as peças de acordo com as regras que as acompanham. Afinal, a pergunta "quais são as regras?" nunca é gratuita. Fazemos um esforço criativo e existencial para dar origem a tais regras. E a primeira dimensão, da lógica, é subordinada a esta, a seletiva. Ela seleciona aquilo que é o caso, um ato do livre arbítrio por assim dizer, e só depois aparece o quadro a ser arranjado com as diversas peças criadas pelo ato seletivo.

O ato de seleção não é gratuito. Isso quer dizer que: 1) ou ele é sociocultural, e as determinações contextuais dos indivíduo o constrangem a fazer certas seleções (e é por isso que podemos falar que "todo conhecimento é político", já que forças nos impelem a tomar certas seleções ao invés de outras), e nesse caso a abstração da parte do todo é menor; 2) ou ele é existencial, e o pensador enxerga que as seleções são um "salto de fé", em si totalmente não fundável, mas que é parte constitutiva da vida humana.

Provavelmente a maior parte da humanidade se encaixa em 1. Isso quer dizer, muitíssimo grosso modo, que "as sociedades pensam por elas". São indivíduos receptáculos da cultura, que vivem com ela em consonância, e que aparentam fomentar sua continuidade no longo prazo.

Em 2, vemos o que se pode chamar de "mente moderna". Muitos pensam que isso sugere que ela é a mentalidade que substituiu a 1, na passagem da "Antiguidade à Modernidade". Mas seu poder não é tão amplo assim (infelizmente, creio eu), e talvez sua presença seja mais forte que a 1 apenas nos Estados Unidos e Europa Ocidental. O que ela tem de especial é sua capacidade de distinção, entre fatos e valores, e entre as próprias mentalidades distintas que estou mostrando aqui. Esse texto é um retrato da modernidade de que ele está tratando haha!

O niilismo, em Nietzsche (do qual Weber era fã), é tratado na citação de Vontade de Potência: 
- O que significa niilismo? – que os valores mais altos se desvalorizam. Falta a finalidade; falta a resposta ao “por quê?”

Weber, entendendo o caso, utilizou "valores" como ferramenta de análise sociológica, e mostrou que o mundo está povoado por uma infinidade de valores em constante atrito, o que caracteriza o grande leque de diferenças individuais e sociais. Valores não têm justificativa. São o que são, e no mundo moderno, são indiscutíveis, uma vez que não há critério científico (nem moderno), para hierarquizá-los. Face a eles, podemos apenas constatar que há um politeísmo de valores no mundo, uma "luta de opiniões".

Esse é o grande Weber, querido dos cientistas sociais razoáveis. Tomo partido dele, apesar de achar que não há partido algum, apenas lógica nesse caso. E é niilista? Em todo esse sentido, é sim, assim como a ciência. Não há ato seletivo de valores científico, nem cálculo de "melhor valor" ou algo do gênero. É um salto de fé, ou uma imposição sociocultural. Reconhecer isto é sim, em certa medida, ser niilista. E então, nós, raça moderna de razoáveis, ao pararmos para "pensar bem", constatamos o vazio das possibilidades, o existencialismo que sugere que temos uma montanha de escolhas e que viver é um processo seletivo, que corta vidas possíveis que vão sendo deixadas para trás. Mas, ao lado desse vácuo do livre arbítrio, temos o tudo das culturas e sociedades do mundo, da imensidão do céu que nos sugere que há mais valores entre ele e a terra do que sonhamos em qualquer ocasião. É o que movimenta a ciência. Em sociologia, a névoa perene dos valores, e de como se age em torno deles, movimenta as engrenagens que tornam essa disciplina uma construção de conhecimento.

(e viva o niilismo, que permitiu tudo isso!)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Burocaos (2)

Cenário: porões do Palácio do Planalto, acessados por um túnel secreto que parte do Palácio da Alvorada, residência da Presidenta. Uma sala limpa e iluminada, toda branca. Ao centro, uma maca com um corpo coberto por um lençol.
DILMA: Como está o procedimento?
NECROMANTE DA ABIN: Está tudo quase pronto, Excelência. O gel será aplicado pela manhã. O teste em ratos, como Vossa Excelência sabe, foi bem-sucedido. Semana passado realizamos o teste em um porco, com a mesma eficiência. Temos certeza de que também dará certo em um corpo humano.
DILMA: Ela era bem velha, e seu corpo já estava bem decomposto. Agora parece nova.
NECROMANTE DA ABIN: Usamos a pele de uma mulher de meia idade morta por um ataque cardíaco. Os órgãos são de uma mulher mais nova ainda, que teve um AVC. Não é problema, já que o cérebro é original.
DILMA: Ainda bem que fizemos aquele acordo com a Inglaterra. Essa ressurreição não poderia vir em melhor hora.
NECROMANTE DA ABIN: Devo alertar para possíveis falhas psicomotoras. O cérebro estava conservado no vinagre há anos. Os neurônios mais rasos podem estar danificados. Mas o funcionamento geral do corpo estará garantido pela aplicação do gel seguido pela descarga...
Entra um soldado com vestes pesadas de guerra e um fuzil na mão. Um capacete com vidro escuro esconde a metade superior de sua face.
SOLDADO: Senhor, a lancha está no aguarde.
NECROMANTE DA ABIN: Certo. Já estou indo, me espere lá.
SOLDADO: Sim, senhor.
O soldado sai.
NECROMANTE DA ABIN: Excelência, devo ir. Por favor, não fique ansiosa. Nossa equipe fez todo o possível para o Evento ser livre de imprevistos. Amanhã pela tarde ela estará viva novamente. E o melhor, mais nova do que esteve antes de morrer.
DILMA: Eu sei. Vi a qualidade orgânica dos ratos renascidos. Mas não há como esvaziar a ansiedade num momento desses. O país depende do sucesso do Evento. E se falhar...temo pelo derramamento de sangue.
NECROMANTE DA ABIN: Não vai falhar. Aposto minha vida. Agora, devo ir. Com sua licença.
O necromante sai da sala.

Dilma, antes de sair, resolve espiar o corpo que jazia sobre a maca. A cara estava muito boa, aparentando quarenta anos. Fizeram uma ótima reconstrução. Aquela noite passaria bem devagar para Dilma, na expectativa para a manhã seguinte. Do resultado do Evento viria a solução para o problema que incomodava toda a cúpula executiva da Presidenta. Uma massa de servidores públicos estava causando pânico nos mercados, suas demandas indigeríveis para a atual conjuntura. E não havia ninguém para enfrentá-los. A não ser ela, deitada morta nos subsolos Palacianos. 
Margaret Thatcher precisava voltar à vida.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Aforismas do pessimismo político

A Esquerda realista morreu. A última pá de terra foi jogada em 1991, com o fim da União Soviética. Não há mais alternativas universais para melhorar o mundo, como representou de fato a União Soviética por algumas décadas. Seus filhos não são nem um pouco universais, pontos casuais na geopolítica global. Cuba não tem mais apelo, e Coreia do Norte nunca teve. A China é governada por um partido comunista, mas é um dos países mais capitalistas do universo. Partidos de esquerda e direita não parecem diferentes em suas políticas, todos podem ser rotulados como social-democratas, diferindo no grau, mas não no gênero.

O Marx do socialismo científico está mudo. Antítese ao capitalismo, só na cabeça de alguns, mas com força política zero.

Isso não quer dizer que não há Esquerda. Claro que há. Mas é outra coisa, bem diferente do que fora até 1991 (ou um pouco antes disso). O conflito no Brasil é mais de modernos x antiquados. Movimentos sociais não universalistas, como LGBT, feminista, negro, maconha, etc. são tomados como de esquerda. Pessoas descoladas, anticapitalistas, com pouca malícia no discurso e na ação. Carregam fardos invisíveis da luta pelo mundo melhor, e sabem quem está a favor ou contra. Essa é a principal herança de Marx para essas pessoas: sugaram dele a dialética e o conflito de classes para imaginar um quadro bonitinho no qual rotulam pessoas como maus da direita e os amigos da esquerda. Sobre os primeiros, é melhor ignorar e apenas ressaltar sua direitice.

Modernos x antiquados? Menti. É apenas um fragmento do debate. Talvez mais importante seja aquele dos idealistas otimistas x realistas pessimistas.

É possível, nos anos 10, uma Esquerda realista? Um pessimista responde: "Mais um grupo lutando pelos seus interesses, em meio a vários outros com convicções distintas." Interesses particulares, carentes de um programa universal.

Resumo da ópera: bye-bye comunas, aproximem-se descolados. A Esquerda é vocês, agentes da modernização, defensores inconscientes da Constituição Federal.
Um pessimista ri.