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quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Sobre Uma Pequena Nuvem -- in Dublinenses, de James Joyce

No começo, "Uma Pequena Nuvem" parecia a história mais triste que já tinha lido. É sobre o Artista que sucumbe às necessidades mundanas, incapaz de expressar-se por causa da mesmice no trabalho e das necessidades do filho pequeno e esposa sufocante. O final parece trágico: Pequeno Chandler, o Artista, é censurado pela esposa que toma o filho de suas mãos; temos a impressão de Chandler ser um pai ruim e um marido submisso, além de guardar seus sentimentos poéticos para si e não compartilhar sua profundidade sentimental com personne.
Senti-me muito mal por Chandler. Coitado! (Arte é o que salva, não? O mundo material não é suficiente...)
No entanto, no dia seguinte à minha melancolia --hoje--, tive uma epifania (curiosamente, vários personagens em Dublinense também têm): o final do conto pode não significar apenas que Pequeno Chandler é uma alma presa pelos grilhões do Reino da Necessidade, incapaz de transcender para o Mundo da Arte.
Na visão que tive, Joyce desejou indicar com o conto como os Artistas nascem: são fruto dos sufocamentos do mundo, a vontade de expressar algo, criada pelo desapontamento entre o que o mundo oferece e as mais elevadas alturas da Imaginação -- estamos vendo o nascimento de Pequeno Chandler como um poeta.


Obs: no conto, Chandler lê Byron, que levou uma vida de heroísmo romântico sem igual. Sua poesia mostrava a melancolia da alma... Talvez artistas, assim como os filósofos, são os que vivem além do dado, os que têm ideias à frente do seu tempo, que sentem-se na dianteira do que está aí...
Obs2: Leia mais sobre romantismo aqui.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Sociologia do Brasil em "Grande Sertão: Veredas"

"[...] jagunço, pelo que é, quase que nunca pensa em reto: eles podiam achar normal que da banda de cá os inimigos presos a gente matasse, mas apreciavam também que Zé Bebelo, como contrário, tivesse deixado em vida os companheiros nossos presos. Gente airada..."

Nova Fronteira, 2005, p.291.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Literatura, cognição e masoquismo

No processo de escrita criativa, isto é, de criar uma história fictícia e brincar com as ferramentas de narração e semiótica -- elaborar a possibilidade de conotação no leitor --, me deparei com duas coisas interessantes, uma delas constatação genérica sobre o contar-histórias, e a outra percepção sobre meu atual interesse literário, como leitor e escritor.

A primeira: notei ontem a grande força do preenchimento de espaços vazios na narrativa que praticamente toda literatura acarreta. Explico: tinha alguns personagens em mente, e queria caracterizá-los ao leitor. Para isso, acabei dispensando grandes detalhamentos, e mostrando alguns assuntos de suas conversas já me bastaram! Claro que aí há superficialidade, mas o leitor elaborará um estereótipo, o que é a intenção no caso. Pode-se comunicar muita coisa com poucas palavras.

A segunda: estou um atual adepto do masoquismo literário. Mire veja: algumas artes demandam ao apreciador que saia de sua zona de conforto e se coloque em uma posição estética exótica. Bons exemplos estão na música erudita contemporânea (ouça o réquiem de Ligeti). Na literatura, não se carecem de protagonistas: Guimarães Rosa, Lispector, Pynchon, Bolaño, Cortázar, etcétera.
  • O que une essas pessoas não são inovações no conteúdo, mas na forma. São modos de narração muitas vezes alheios ao costume, aos padrões cognitivos do cotidiano. Demandam uma saída da zona de conforto para que o leitor se situe em um local desconhecido, precisando se contextualizar em um território particular; são métodos e métodos de comunicação, de transmissão de mensagens. O masoquismo vem da necessidade de adaptação a um método ainda não visto, ainda estranho ao leitor. Gosto disso. Gosto de novidade.

Sobre os conteúdos, ainda estou reticente sobre "novidades". Os velhos arquétipos, supostamente os universais da narrativa e empatia humana com uma estória, aparentemente continuam firmes -- sofreram alterações em suas relações com os outros arquétipos, e.g.: um personagem que antes era o herói agora pode ser herói e bandido, conjuntamente, e é algo tolerado.

Outro ponto interessante: o chamado realismo histérico, uma tentativa, segundo o crítico inglês James Wood, de "transformar a ficção em teoria social", de contar "como o mundo funciona em vez de como alguém se sentiu sobre alguma coisa" (fonte: Wikipedia). Com meu passado em sociologia, isso me agrada bastante -- engendrar um mundo, um microcosmos do que o mundão, de fato, é.



segunda-feira, 18 de maio de 2015

Sobre a prepotência

Você, enquanto artista ou noutro tipo de ofício que demande criatividade, poderá se deparar com críticas que apontem para certa pretensão em seu trabalho, uma prepotência em fazer algo demais além de sua posição de reles mortal. Isso acontece principalmente com os iniciantes, os não aclamados. Muitas obras parecem ser inclusive apreciadas pelo misticismo em torno do seu criador -- se não fossem aclamados, suas obras teriam menor atenção.

Contudo, ninguém nasce aclamado. Digo-lhe: ignore críticas nesse sentido. Não são úteis, e mostram mais uma preguiça do crítico do que defeitos na obra. Ousadia e rompimento com costumes é vital para o desenvolvimento de novas ideias e cultivo do poder artístico. Este, certamente, não vive apenas de originalidade, mas sem dúvidas ela é uma de suas virtudes mais apreciadas.

Basta lembrar-nos de Nietzsche, Lovecraft, Van Gogh, Kafka, Foster Wallace, Augusto dos Anjos, etc. -- pessoas que "nasceram póstumas" e tiveram seu valor em grande parte reconhecido post-mortem.



P.S.: isso não serve para se achar por aí que és um póstumo. Aí é prepotência!

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Citação de Piada Infinita[PT] (Infinite Jest) David Foster Wallace

[o contexto é bem bizarro, um espião transsexual conversa com um terrorista separatista de cadeira de rodas, em um deserto perto de Tucson, EUA]

"- E se algumas vezes não há escolha sobre o que amar?" E se o templo vem a Maomé? E se você apenas ama? sem decidir? Você apenas o faz: você a vê e naquele instante perdeu a sóbria calculabilidade e não pode escolher senão amar?
A fungada de Marathe continha desdém:
- Então em tal caso seu templo é o ego e sentimento. Aí nessa instância você é um fanático do desejo, um escravo dos sentimentos individuais subjetivos do seu ego estreito; um cidadão de nada. Você se torna um cidadão de nada. Você está por si mesmo e sozinho, ajoelhando para você."

sexta-feira, 8 de março de 2013

H.P. Lovecraft – O estrangeiro; Análise


 "A coisa mais piedosa do mundo, penso, é a incapacidade da mente humana de correlacionar todo seu conteúdo." O Chamado de Cthullu

Estive a ler alguns contos do mestre da ficção macabra Lovecraft. Ele foi uma das referências para o escritor de horror moderno Stephen King, e continua sendo aplaudido por sua qualidade. Alguns produtos culturais modernos são decorrentes de sua obra: bandas de death metal, jogos de RPG e videogame; oferecem continuidade ao seu legado.

Um dos contos que mais chamou minha atenção foi The Outsider. Encontrei uma versão traduzida para o português à venda, em formato netbook. É um dos contos mais inspirados por Edgar Allan Poe, de quem Lovecraft era fã. 

O conto apresenta um apologia ao esoterismo, seguida de decepção em relação a este. Vejamos:

O protagonista é um ser que mora em um castelo, desde que se entende como "gente". Não se lembra de nenhuma outra pessoa, nenhum contato com outro. Sempre esteve no castelo. E nunca conseguiu sair de lá, pois era rodeado por uma floresta da qual tinha medo de se aventurar por muito tempo. Ele sabia da existência do mundo anterior por uma coleção de livros antigos, os quais lia com uma vela. Nunca tinha visto o sol: o céu era escondido por uma densa camada de árvores. Viveu na escuridão, além do fluxo do tempo.

O protagonista vivia no mundo "exotérico": do conhecimento raso, desconhecendo o verdadeiro conhecimento, a iluminação. Seu mundo era escuro, e tudo que sabia não lhe causava orgulho. O importante estava além dele (fora da caverna de Platão), e para chegar lá era necessário esforço. A verdade está lá fora. Mas não é fácil de ser encontrada! Eis o esoterismo: crer em um conhecimento de grande valor, de difícil acesso (mas que existe).

Havia apenas uma torre que se estendia além da camada arbórea. Mas era impossível subir, a escada estava quebrada...

Sem me estender sobre a história... (melhor ler o conto!) Apenas digo que a metáfora segue: o conhecimento de valor é atingido, uma grande comoção acontece. Mas e então... Pimba! Eis que o lado de fora não é tão bom assim, as verdades reveladas são contundentes, sombrias e desanimadoras (para não falar desastrosas, lamentáveis e aterrorizadoras). Tentar voltar ao mundo anterior, do estado estoico de passividade em relação ao passar do tempo, sem abalos positivos nem negativos, já não é possível: ao perscrutar a verdade, voltar para a ignorância já não é mais possível!

É um conto de mágoa em relação à realidade. Seria a verdade dura e cruel, e o melhor nos mantermos isolados dela, em nossos "pântanos de felicidade"? A literatura de Lovecraft expressa uma forte concepção de universo indiferente aos pequenos humanos que o habitam... Vários de seus personagens sentem isso na pele (vivem essa verdade). O que é fonte de loucura!