quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Burocaos

A sala estava escura, o ar frio e úmido. Ficava no subsolo, o chão e parede de pedras ciclópicas. Gotas de água pingavam de canos que percorriam o teto. Em alguns cantos se via a terra lutando contra as pedras para ocupar espaço.
Estava cheio de gente, a maioria do próprio governo. Comissionados, os reputados DAS, a nata da burocracia federal. Aliados do Executivo, amigos e parentes, convivas de décadas passadas, que agora vestiam suas roupas formais e comiam salgados finos após essas reuniões.
Estavam ali para a encenação oficial. A presidenta logo iria dar o anúncio formal. A medida foi uma sacada do corpo técnico do Ministério da Fazenda, em coordenação com o Banco Central. Uma elite com credenciais científicas para tais medidas, mas que só três semanas antes teve o estalo que levou até essa sala escura e úmida. ]
A presidenta se sentou, seguida por seus assessores mais próximos, papagaios-mudos. Ouviu-se uma tosse, de um senhor de meio século, alto funcionário do BNDES. No mais, todos estavam com uma melancolia de ressaca. O ânimo do anúncio já tinha se extinguido há alguns dias, e a sala escura não criava expectativas.
O microfone chiou. Deu-se uma batidinha de conserto, seguida por uma leve tosse de reparo de voz. O som presidencial ocupou as caixas de som do ambiente, as gotas d'água ficaram mudas. E houve o anúncio:

- Inauguramos o Programa Mais Burocratas. Importaremos servidores públicos chineses.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O que significa racismo no Brasil?

Ultimamente andamos vendo muito a palavra racismo pela Internet brasileira. Talvez o maior incentivador do assunto foram as discussões de cotas, primeiro em universidades públicas e agora em concursos públicos. O debate se coloca entre um pólo que defende a "meritocracia", ou seleção dos mais aptos, e outro que visa promover a igualdade pela correção de desigualdades históricas, sendo para isso necessário ações afirmativas.
Err... queria explicar mais adiante, depois de um texto mais extenso, mas não deu, mil desculpas...
O racismo brasileiro é exatamente a percepção da cor associada a uma classe social mais pobre, e a pobreza majoritariamente vinculada à etnia negra. As pessoas de pele mais escura tendem a ser mais pobres no Brasil, uma vez que até 130 anos atrás quase todas elas eram escravas que não tinham nada a não ser o que era dado pelos senhores. Mas não é apenas a cor da pele que define essa etnia racialmente desfavorecida, mas também a feiura. Um negro rico médio é bem mais bonito que o pobre, que tem a pele mais castigada, os dentes mais tortos, fora aqueles traços de beleza orientados pela cultura europeia (o negro rico tem mais "sangue branco"), na qual o nariz e os lábios são o maior exemplo (mas o cabelo também).
Assim, vemos o racismo quando associamos esse negro pobre feio a um marginal, como no caso emblemático que ocorreu em Vitória no dia 30/11/2013. O vemos também em imagens como essas:








     




A da esquerda mostra o médico cubano negro sendo vaiado pelas médicas brasileiras, de cor "branca". Estão representadas aí as classes econômicas brasileiras, pelo cara que ganha pouco e não precisou ser rico pra se tornar médico, e as mocinhas de família endinheirada, o que possibilitou os estudos em escolas particulares, para depois ir para uma universidade federal concorrida, ou então pagar uma mensalidade cara em uma instituição privada (para depois ganhar muito bem).

A da direita mostra a mesma coisa em escala maior: a classe "branca" que tem dinheiro para pagar uma escola de qualidade (mensalidades altas, e que não concorrem em qualidade com as escolas públicas) pega quase todas as vagas para o curso de medicina na universidade federal. E a classe negra, maioria dos pobres, pega quase todas as vagas do concurso para gari no Rio de Janeiro, para ganhar na época menos de 1000 reais.

Pra finalizar: ao que me parece, o preconceito é só um sintoma do racismo brasileiro. Ele pode nortear o racismo em outros lugares (como nos EUA), mas aqui, é apenas um derivação lógica da associação da cor com uma classe econômica (o nosso racismo), uma vez que os bandidos tendem a vir da pobreza (se não é verdade, pelo menos o senso comum acha isso).

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A Roda de Usuários

No Plano Piloto, zona central de Brasília constituída pela Asa Norte e Asa Sul (a definição exata é controversa), é comum encontrarmos pelas quadras grupos de pessoas interagindo no formato "roda". Elas estão fumando maconha.

Ao contrário de muitas cidades, o Plano Piloto não tem ruas: temos o asfalto e carros passando por cima, mas elas não seguem o padrão rua-calçada-construção. Há muitas áreas verdes (espaços ermos ocupados pela "natureza") e poucos pedestres. Geralmente as pessoas andam de carro, então estacionam próximo a onde querem ir e mal caminham. Quem vai de ônibus pode tomar vários caminhos diferentes entre as diversas áreas verdes. Como resultado, quase não tem gente no meio das Superquadras - a área residencial típica do Plano Piloto - e pode-se fumar maconha sem o stress de ver gente olhando com maus olhos.

Assim há uma relação entre características estruturais do Plano Piloto (ausência da rua tradicional, muita área verde, distinção entre espaços residenciais e comerciais) e agenciais (pouca gente andando nas ruas) que confere pouca publicidade ao ato de estar fumando maconha - algo malvisto - fora da própria casa.

As classes médias do Plano Piloto se aproveitam da situação para se encontrar para fumar em diversas Superquadras. Algumas são evitadas, como a 402 Sul, por se tratar de "quadra de militar". Na Asa Sul, prefere-se as 400, por seus prédios não terem porteiro, e também o começo das 700, por haver uma área verde intermediária entre as casas (nessa linha há casas, e não prédio como no geral). Contudo não há imperativos, e no geral se fuma em qualquer quadra, principalmente se não se formar a roda em si, apenas sentar em um banco e ficar fumando como quem não quer nada.

Também há os "campões", grandes áreas verdes que separam quadras, que muitas vezes são utilizados como ponto de encontro. Muitas vezes desconhecidos intervêm para pedir um trago e fumar conjuntamente. O usuário de maconha classe média do Plano Piloto quase nunca se preocupa com polícia, que poucas vezes corre atrás de tais usuários. Mas para evitar possíveis inconveniências, costuma-se carregar apenas uma pequena parcela, e esconder nas áreas verdes os "flagrantes", durante o consumo do baseado da vez.

Essa Brasília é uma cidade convidativa para os maconheiros, que fumam com liberdade no espaço público, e aproveitam um contato com a natureza (as áreas verdes) que poucas grandes cidades têm. Não é como Belo Horizonte, onde muitas vezes é preciso "fumar andando".

A foto acima foi tirada de um bar. Como podemos ver, há uma área verde que separa o fotógrafo da roda, algo típico da cidade. Além disso, pouca calçada, o que reflete a baixa quantidade de transeuntes. O prédio residencial está ao fundo. Para essas pessoas, foi muito fácil sair do bar, fumar um baseado e voltar: precisaram andar 20 metros e já estavam em um lugar apropriado.





segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O que não se pode vender hoje?

Duas coisas me chamam a atenção: drogas e coisas relacionadas ao nazismo.
Li hoje essa notícia, e não entendi:

 
Portal de leilões se desculpa e suspende comercialização de 30 peças de vítimas de campos nazistas de extermínio
Um uniforme completo, um par de sapatos e braçadeiras com a estrela de Davi estavam entre artigos disponíveis
 
DE SÃO PAULO
 
Uma reportagem da edição dominical do jornal britânico "Daily Mail" mostrou que o eBay, site de leilões online, estava lucrando com a venda de artigos relacionados ao Holocausto, massacre de judeus por nazistas durante a Segunda Guerra (1939-1945).
Após uma "investigação urgente", em poucas horas o eBay suspendeu a comercialização das peças, se desculpou e prometeu fazer uma doação de 25 mil libras (quase R$ 90 mil) para caridade.
Entre os cerca de 30 itens encontrados pelo jornal, estava um uniforme que teria pertencido a um padeiro polonês que morreu em Auschwitz --à venda por cerca de R$ 40 mil. A lista também incluía sapatos e braçadeiras com a estrela de Davi. A empresa recebe comissão sobre os itens vendidos.
Ontem, porém, a Folha entrou no site e encontrou à venda fotos, documentos e etiquetas de identificação em metal de prisioneiros dos campos nazistas.
Segundo o "Daily Mail", a assessoria do eBay informou não saber há quanto tempo os artigos estavam no ar.
"Não permitimos anúncios desta natureza. Milhares de funcionários trabalham no policiamento do site, e utilizamos o que há de mais recente em tecnologia para detectar itens que não deveriam estar à venda."

E por que não se pode lucrar com algo do gênero? Enfim, essa imoralidade torna o Holocausto algo "sagrado", intocado pela lógica de mercado que desmistifica um monte de coisas (tudo que se pode vender e comprar - até visualizações do Youtube são compráveis). 
Como resultado, temos uma atitude bastante emotiva, que abala o espírito, ao tratarmos de Holocausto. Uma das consequências políticas é uma censura latente que barra críticas a Israel. Criticar esse país é para alguns ser anti-semita (o que é extremamente imoral pelos padrões do pós-guerra).

A questão das drogas também mostra a relação [fora do mercado => mistificação]. Quem está ausente desse mundo por vezes tem uma opinião que não reflete a realidade, mitos que o ocultismo do consumo de tais produtos acaba por gerar.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O erro de Adorno em "Fetichismo na Música"

Liberdade sob a ditadura
Todo o clima de liberdade vivido pela juventude praiana da época rolava em plena ditadura. Enquanto os militares impunham à sociedade diversas restrições, nas faixas de areia a atmosfera era de desbunde, o que pode facilmente ser confundido como alienação. Para o diretor do programa, porém, tudo aquilo era uma forma espontânea de resistência. Mellin cita um comentário do cineasta Pepê Cezar, que colaborou com o projeto, para falar sobre o assunto: “Quer uma forma maior de protesto que um cabeludo sem camisa, de shortinho e prancha colorida, atravessando a rua em direção ao mar em meio à toda aquela formalidade imposta?”
- Aquela turma viveu com liberdade em meio à repressão da ditadura. Mesmo com todos os limites impostos, eles pareciam ter menos restrições até do que a sociedade atual, com a nossa loucura de celular, internet e infinitas contas e compromissos. Tinha-se mais tempo pra tudo, principalmente pra “fazer nada”, pra curtir - argumenta o diretor. - O assunto não é debatido com profundidade no programa, mas a ditadura é citada em alguns momentos, principalmente quando falam do Arpoador e do Pier de Ipanema, lugares muito próximos do asfalto, controlado então pela ditadura, mas que eram também refúgios da repressão.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/seriado-aborda-cultura-de-praia-dos-anos-70-sob-olhar-contemporaneo-10223004#ixzz2ghGP0gbL 
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Para Teodoro Adorno, figura conhecida da Teoria Crítica, ou Escola de Frankfurt, o diretor acima está completamente errado. "É alienação!",  diria ele. Seu caso de estudo foi a música, mas seguia o mesmo raciocínio: se entreter é se alienar, por esquecer os problemas que assolam a humanidade.
Mas estaria mesmo o argumento oposto errado? Pra mim e pro diretor do programa, claro que não. Quem está certo, nós ou Adorno?
Resposta: ninguém. Essa pergunta é descabida, pois envolveria cruzar convicções pessoais em um plano comum, mas nesse caso não haveria critérios para resolver a questão.

Isso que eu falei pode parecer óbvio, mas minha intenção é apenas mostrar que certo tipo de conhecimento é apenas válido se você tem a predisposição de concordar com o que está sendo dito. No caso de Adorno (ou no meu e do diretor), só poderíamos dizer: "É, tenho a mesma opinião." Ou então, "Não acho isso.". E é até difícil encontrar dados empíricos para anular um dos argumentos, pra piorar ainda mais. Podemos encontrar vários casos que falseiam quaisquer uma das hipóteses, e ainda sim reagir com compaixão, vociferando: "Mas não é esse o contexto."

O título desse post está inadequado também. Não há erro de Adorno, porque nunca houve espaço para acerto. O jogo que ele joga não é avaliado por esses critérios lógicos, mas pelos do carisma e da tradição. Adorno não é irracional: seu problema está na aplicação de certos nomes e o que eles significam (alienação, fetichismo - a ideologia marxista fundamenta quase tudo). Para muitos, a correlação entre tais conceitos e algo presente na realidade é certa. Mas para uma grande parte, está muito longe de ser verdade.

E não adianta falar que somos reféns do sistema. Rudolf Carnap - conhecido pelo entusiasmo com ciência e lógica para o entendimento do mundo - era comunista. Na verdade, acredito que qualquer pessoa de esquerda deveria fazer o mesmo, se quiser levar o projeto de Marx adiante. Não sei como ficar delirando a la Adorno serviria para contribuir para o fim da luta de classes.

Prefiro conhecimento que você não precisa "acreditar nele pra ser verdade". Muitos questionam a existência de um mundo real, dizendo que ele é o que você imagina. Queria que fosse assim, para eu poder desimaginar a lei da gravidade e sair voando por aí LOL

Brincadeiras à parte, nada contra Adorno ter essa opinião polêmica. Mas ele podia pelo menos mostrar o lado oposto, da "revolução espontânea". Ele não o fez, pois como disse Walter Benjamin no começo de um ensaio, é um teoria "fascista" da estética . Pode-se comparar com as duas tradições de pensamento que norteiam a sociologia: a interpretativa e a estrutural-funcionalista. A primeira seria para Adorno e Benjamin "de direita", enquanto a segunda, uma genuína investigação das desigualdades exibidas pela dialética e teoria crítica. Marxistas de cabeça fechada, esses dois.

Faz parte da educação humana

"Uma pessoa que não pode fazer certa quantidade de trabalho estereotipado não é um indivíduo saudável."
George Herbert Mead
Na vida, nem tudo são flores. Não se pode fazer sempre o que quer, e saber ceder é tão importante quanto valorizar o ganho.

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A erupção da comunidade na linguagem

Quanto mais forte uma comunidade, mais consensual ela é. Os indivíduos expressam diversas proposições que outros tomam e discordam, expondo um argumento divergente. No entanto, todas as proposições elaboradas são tomadas à luz do que a comunidade consideraria. Como disse Wittgenstein, não existe linguagem privada. As proposições existem para um indivíduo tomar como objeto e reagir a ela: e quanto mais forte a comunidade, mais convergente será essa reação com sua fonte. Em outras palavras, a linguagem expressada por um indivíduo é sempre elaborada à luz de uma futura audiência, seja ele mesmo, seja um “outro generalizado”, que é a abstração de todas as outras forças que emitem ações significativas. Assim, todas as crenças existem por sermos autoconscientes e empáticos (vemos que outros também têm consciência). Mesmo se acreditamos que ela é “somente uma opinião”, ela foi elaborada à luz de uma audiência (ao menos nós mesmos) que deve aceitá-la. Caso contrário estamos sendo irracionais.
Um bom exemplo de força comunitária que gera consensos é uma partida de futebol: todos os jogadores sabem como se devem portar, quais regras seguir e o como devem reagir em diversas eventualidades, desejáveis ou não. Aqui, há muito menos dissenso do que em uma arena política, ou em uma sala de aula de sociologia nos tempos atuais. Os gestos a serem feitos estão programados, assim como as reações a outros gestos dos demais participantes.
Entender como jogar um jogo, quais regras seguir e o que esperar dos outros, é uma etapa importante na socialização e na composição de um Eu (Mead).
Se a comunidade brasileira fosse uma entidade única, não haveria dissensos jamais. Sobre nada, porque todas nossas concepções são formuladas à luz de uma comunidade (o outro generalizado). É a audiência de nossas expressões.
E com tantos dissensos, nos debates políticos, nos valores culturais, nas visões sociológicas, pergunto: onde está nossa comunidade? Parece que andamos para uma fragmentação social que sabe-se lá no que vai dar. Não sei se era diferente antigamente, mas provavelmente estamos numa era mais plural quanto aos grupos que compõem uma sociedade. O pós-marxismo, por exemplo, abandonou o tradicional dualismo marxista em favor a uma multitude de grupos em conflito pelo poder.
Clamo pelo resgate do consenso e o fortalecimento de nossa comunidade, baseada em valores universais – tolerância, compromisso e diligência.

Autores inspiradores: George Herbert Mead, Erving Goffman, Ludwig Wittgenstein e Jurgen Habermas. E um pouco de Mussolini hehe.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Financiamento de campanha: Público, privado ou nenhum?

Teremos em breve um plebiscito para o povo decidir o que acha melhor. De um lado há os que defendem o modelo privado para não onerar mais o Estado; além disso há a questão da possível corrupção envolvendo o dinheiro público.
Os que defendem o financiamento público pensam que o modelo será mais igualitário para os candidatos e fará com que eles não devam favores para quem "investe" neles.
Mas longe desse duelo há uma terceira opção  que no nível atual de entusiasmo com a política do cidadão médio brasileiro, se mostra genial: financiamento algum.
Essa via proibiria terminantemente quaisquer propagandas de políticos em locais onde se paga para isso: canais de televisão privados, outdoors, panfletagem, etc.
Restariam basicamente dois caminhos para o cidadão se informar sobre os candidatos: a Internet (site dos Partidos) e um local do Judiciário destinado a fornecer informações sobre todos os candidatos.
Como benefícios, teríamos:
- vota apenas quem tem bastante interesse
- os candidatos teriam oportunidades iguais de expor suas ideias ( poderia ser feito um catálogo contendo propostas dos candidatos e partidos)
- pouco dinheiro envolvido significa menos chance de corrupção e menos influência de interesses particulares
Como desvantagens:
- O acesso dificultado a informações sobre os candidatos. Alguns dirão que os cidadãos tem o direito de se informar, que restringir o acesso é antidemocrático, etc. Mas eu pergunto: será que todos devem mesmo ter uma opinião formada sobre política? O que há nas ruas é um montante de desinteressados, que não se interessam pela escolha política, por achar que não fará diferença. Essas pessoas não devem ser obrigadas a votar e tampouco a ver propagandas políticas pelas ruas!

Quem quer, deve ir atrás. Um pequeno esforço que se converte em uma escolha de voto mais consciente. Melhor que 10% votem assim, do que 100% de votos mal pensados.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Capítulo da roda punk


A nossa juventude ama o luxo, é mal educada, zomba da autoridade e não tem nenhuma espécie de respeito pelos velhos. As crianças de hoje são tiranas. Não se levantam quando um velho entra numa sala, respondem a seus pais e são muito simplesmente más. 
Sócrates (430-399 a.C.) 
 Não tenho nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje tomar o mando amanhã, porque estes jovens são insuportáveis e não têm moderação. Simplesmente terrível
Hesíodo (720 a.C.) 
O nosso mundo atingiu um estado crítico. Os filhos não escutam os seus pais. O fim do mundo não pode estar longe. 
Inscrição no túmulo de um sacerdote egípcio (2 000 a.C.) 
Esta juventude está podre desde o fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Não serão nunca a juventude de outrora. Os jovens de hoje não serão capazes de manter a nossa cultura. Inscrição numa olaria da Babilônia (2 500 a.C.)  
Um pouco por toda a parte, predomina a ideia de que a experiência pessoal constituiria a personalidade e se incluiria em sua essência. Tortura-se o espírito para fabricar "experiências pessoais", na convicção de que isso constitui atitude digna de uma personalidade e, quando não se alcança resultado, pode-se, ao menos, assumir o ar de possuir essa graça. Outrora, em língua alemã, a "experiência pessoal" era chamada "sensação". E creio que, naquela época, tinha-se ideia mais clara do que seja a personalidade e do que ela significa.
Max Weber (1918 d.C)

O rock de Brasília viveu um capítulo da roda punk em 6 de junho de 2013. Foram dois deuses em conflito. Cada um com sua razão de ser; o choque foi natural. E como em qualquer conflito, quem pensa bem julga que todos estavam errados.

Quatro bandas de rock tocando num pub quarta-feira. Um evento que era pra ser blasé. Começava cedo e acabava cedo, e não era pra ninguém curtir pala wasted. Cédulas de votação para os presentes, que analisariam as bandas e escolheriam a que pensavam ser a mais legal. 15 minutos para cada banda, tempo curto e que não dava para uma real degustação. Isso ia ficar pra vencedora apenas, e estavam ainda no primeiro turno da seleção. Das quatro, uma ia lutar contra outras duas, a serem escolhidas nas semanas seguintes.

Primeira banda, protocolo estava sendo praticado. Quarto da Bia! Tocou um som finíssimo, como sempre. Perguntou se a gente queria fritar. Que tipo de fritação? Eu prefiro a minha com azeite de oliva extra virgem, mas respeito quem gosta de uma banha.

Segunda banda, Rios Voadores. Saí para fumar um palheiro, quando terminei a banda tinha acabado. Mas eles ganharam a votação: mina cantando e som palatável. Agradou aos ouvidos do deus dominante, que tinha a palavra final para selecionar a banda vencedora.

Foi aí que...
O deus inimigo chegou! Se chamava Véia Tonha. Terminei o palheiro e resolvi entrar para curtir o som deles. Mas o terreno do deus dominante tinha sido atacado: o deus representado pela Véia Tonha desceu do palco, invadindo o espaço sagrado que não lhe pertencia! Isso foi visto como uma ofensa pelo outro deus, que tratou de apaziguar a situação. O Véia Tonha não gostou, achou aquilo uma ofensa ao seu deus. É claro que achou, é um deus rival daquele que dominava a situação.

Mas o rock ignora esses deuses, são pormenores da vida cotidiana que não abalam sua essência: a produção de um som maneiro, que agrade aos ouvidos de muitos apreciadores do verdadeiro deus em questão: aquele da música...

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Contra o simulacro acadêmico

Ler o mínimo sobre alguma coisa, e imaginar saber o máximo sobre outra ela e outras coisas relacionadas.

Esse é um mote para novos acadêmicos, que desejam se afastar do "Último Tango do Valor". A situação da distribuição de diplomas atual, e "saberes", constitui uma dança de pessoas aprendendo pedaços de conhecimento, por bits de informação.

O que acontece então é a simulação das diversas cópias, do conhecimento fragmentado em um monte de bons autores, mas nos quais não captamos a unidade, alguma coisa que vá constituir um valor. Ficamos regurgitando especificidades, sem cristalizar uma força. 

O bom homem do século XXI, aquele que desejo ser, não tem mais medo desse sectarismo da produção acadêmica. Ele não se importa com seu pequeno disco rígido (cérebro), que não pode absorver muita coisa, e daí pressupõe só poder falar coisas mínimas. Ele vai além dessa máquina distribuidora de diplomas, elabora conteúdo místico por suas experiências, vivas e estruturadas dentro de um mundo de cópia.

O mundo de cópia não está mais para ele. O gravador de CD/DVD foi queimado. Mas ainda resta a memória RAM.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Na aula de sociologia

Ontem, durante uma aula de teoria sociológica clássica, estávamos debatendo sobre o conceito de "atitude blasé" presente em "As grandes cidades e a vida do espírito" de Georg Simmel. Durante a conversa eu sugeri uma significação que extrapolava o uso do conceito por Simmel. O professor e os outros alunos não gostaram muito, e percebi que eles tinham necessidade de se imaginar no ideário histórico simmeliano.

Penso que seria legal fazer uma filosofia também, bastante produtivo para todos pela chance de chegar a novos territórios conceituais. A história da sociologia pode se mesclar com exercício de filosofia, e claro, também de sociologia - mas essa última estava presente em sala (ainda bem).

Saí da aula pensando a sociologia ser mais ortodoxa em sua relação com os conceitos. É comum nas aulas que quando alguém sugere alguma significação ousada para um conceito, respondam "Ah mas Weber não queria dizer isso." Se limitam ao escrito, quando o mais importante muitas vezes está nas entrelinhas...

Ontem pensei em um pequeno quadro epistemológico:

Conceito = conjunto de significados
Teoria = conjunto de conceitos articulados por certas regras
Doutrina = teoria dogmatizada

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Ética e estética são um só

6.421 É claro que a ética não se deixa exprimir. 
A ética é transcendental.
(Ética e estética são um só.) 
Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus








(Wittgenstein I)

Após ler o diálogo "A literatura como vontade ou representação" de Kaio Felipe, me voltou à memória o obscuro aforisma "Ética e estética são um só" de Wittgenstein. Os personagens do diálogo não parecem ter em mente a percepção lógicoempirista  do filósofo austríaco. Quero aqui desconstruir o valor do texto de Kaio, para depois resgatá-lo com humor.

Ética busca sugerir uma normatividade, apontar certas ações como devidas e outras como indevidas. No cotidiano, ela aparece na função apelativa da linguagem, palavrões, tom de voz, etc. Quase nunca aparece nas próprias palavras, mas na retórica.

[exemplo de transição]
P: Vamos ao Buda Bar hoje?
R: Hoje é frevo boiola [gay].

Estética lida com experiências e a forma como são vividas. Preocupar-se com ela é pensar como uma audiência irá receber certo conteúdo na mais imediata subjetividade (apreensão dos sentidos e alteração de estado de espírito). No cotidiano aparece como o que se vive significativamente. Todas as experiências significativas têm uma dimensão estética.

OK, avancemos! No exemplo acima, você pode identificar a ética? É fácil porque se sabe que há muitos homens héteros que não gostam de ir a festas GLS. A ética está nessa preferência. Mas suponhamos que nossa sociedade não mostrasse casos como esse. Não veríamos ética nenhuma no exemplo. [ética está contida na estética]

Mas se a base para que esse jogo surja está em nossas experiências significativas, como traçamos a distinção entre o que é significativo ou não? A unidade de medida dessa balança nada mais é que a ética. [a estética está contida na ética]

Saltando para o diálogo de Kaio, os personagens se mostram metafísicos juvenis ao esquecer que na vida real estética e ética são um só. Logicamente, não é possível dizer que Schopenhauer ou qualquer um priorizou uma ou outra por ser tolice crer em uma destilação de nossos critérios avaliativos [ética] e da estreita circunstâncias em que foram formadas [estética] .

Nenhuma obra literária prioriza ética ou estética, porque autor e leitor não conseguem sair do mundo e entrar no território onde uma ou outra são átomos lógicos que conseguem construir proposições além do nonsense.

(Wittgenstein II)

Opa! OK, OK; mas a discussão para os três personagens não foi significativa? Eles certamente não estavam pensando da mesma forma que eu, e talvez até fossem me satirizar por querer me referir ao mundo real...


terça-feira, 30 de abril de 2013

O anti-simulacro - pt.1

O professor de sociologia Jean Baudrillard  foi um dos primeiros a tratar do tema da simulação cultural como estruturante ético. A ética burguesa [pós?] moderna sempre teve o hedonismo como valor e parte da vida prática. O que houve, diz Baudrillard, foi que ele cresceu tanto que suplantou outros valores, como a metafísica, o filosofar, a religião e a honra.

Na verdade, até falar de "hedonismo" dessa forma não convém. Para tratar do seu objeto de pesquisa, Baudrillard recorre a tornar sua fala ela própria o objeto da crítica. Ele está "jogando o mesmo jogo". As razões não são muito claras, mas como ele mesmo diz em entrevista: "Sou um dissidente da verdade. Não creio na ideia de discurso de verdade, de uma realidade única e inquestionável. Desenvolvo uma teoria irônica que tem por fim formular hipóteses."

No século XXI estamos vendo uma produção massiva de produtos culturais que podem ser acessados qualquer hora do dia pela Internet. A Rede possui material infinito para entreter uma vida. Esse material pode mesmo ser chamado de cultural? Não no sentido clássico. 

Antigamente, qualquer produto cultural estava ligado à vida daqueles que o consomem, podendo ser usado para ilustrar um pouco de como vivia uma comunidade ou sociedade, ou uma classe.

Para tratar de cultura de forma sociológica - como a existência da cultura se desenvolve socialmente - não podemos mais utilizar essas categorias sociológicas clássicas, diz Baudrillard. Elas perderam toda sua utilidade por não fazerem referência a coisas significativas (nos seus termos, ao real). 

O que substitui esse quadro é o simulacro. Basicamente quer dizer que a sociedade de consumo se tornou um motor autótrofo. Vemos filmes, ouvimos música, lemos livros para passar o tempo. Eis o limite; não se faz relação do que se consome com um sentimento de referência a algo fora do plano da experiência imediata.

O simulacro é o reflexo do desencantamento do mundo e do politeísmo de valores. É o campo onde se consome a cultura, infinitamente. É a diversão pela diversão, a informação pela informação. Fim da referência.

Fazer crítica, por exemplo, virou fazer propaganda de uma opinião.

Na próxima parte vou sugerir o anti-simulacro como oposição bizarra a essa situação!

sexta-feira, 26 de abril de 2013

manifesto pardonazi



[prolegômenos]


O que é um pardonazi? Vem do conceito de pardoneira; e talvez seja impossível não fugir do clichê da autorreflexão. Ao me perguntar sobre sua natureza a invoco no estado presente das coisas. Estou pardonando zela. Mas isso não faz muita diferença, porque um verdadeiro pardonazi nunca irá ler esse texto. É impossível que isso aconteça no estado atual do conceito.
No pardonazi, a ideia de pardonazi é uma grande pardoneira que se dissolve por completo nas suas ações. Qualquer sugestão de filosofia se transforma em ações e faltas de idéias que são um combustível que alimenta a coisa toda. Falar de pardonazi é então matá-lo e invocá-lo ao mesmo tempo, porque só um não-pardonazi pode falar do pardonazi, mas para isso tem que entrar em seu território.
O não-pardonazi vê sem receio esse deslocamento, porque não sente desconforto com o pensamento alienígena. Existem vários mundos, e todos eles são habitados. A pardoneira tenta conectar esses mundos por uma substância primordial, que aparenta ser mijo (urina). E o que pensar sobre o mijo? É apenas mais uma pardoneira a ser eliminada. O mundo do pardonazi é portanto um só, e eliminou o seu Criador. A mijada no entanto permanece, e ela aponta para vários lugares!
O grande desafio para o não-pardonazi é tentar fugir do imenso jato de urina pardonazi que está apontado para ele. Mas ele vê a tragédia quando olha pra si mesmo e se vê encharcado de mijo, com um ranço de ureia que não sai. Percebe então que mergulhou fundo na pardoneira, e sem saber estava adorando nadar em uma piscina toda mijada.
O não-pardonazi visualiza uma solução. Virar um soldado. Tentar usar armas para matar o pardonazi. Nesse ponto ele já está maduro. Sabe que sua faca, seu rifle, sua bazuca, são feitas daquele material que odeia. Sim. O xixi. Mas não importa mais. Ele encarnou um pardonazi, e com isso eliminou a reflexão não-pardonística.
O resquício do não-pardonazi nele jaz sobre sua pergunta fundamental: tentar limpar o mijo do mundo, ou jogar um mais fedido? Eis uma grande pardoneira...

domingo, 21 de abril de 2013

Dualismo, tempo e espaço.


Esse texto é quase incompreensível, isso porque ele quer dar o mesmo valor a prestar muita atenção a ele ou não.


O Dualismo é dividir o mundo em dois. O que tem de um lado é o tempo, e do outro o espaço. E tempo passa, e as coisas mudam de lugar. Só da pra ver o tempo passar, porque as coisas estão mudando de lugar. Se tudo ficasse onde está o tempo todo, um dia não seria diferente do outro. E as coisas mudam de lugar com o passar do tempo. As pessoas comuns traçam calendários e contam os anos de forma linear, tempos até uma Era Comum, de dois milênios atrás. Existem povos que pensam no tempo de forma cíclica, mas isso ficou estranho com o advento da Física moderna. Cremos que o nosso universo nascera há mais ou menos 14 bilhões de anos. E mais ou menos sabemos para onde estamos indo: o Sistema Solar se direciona para o buraco negro no centro da Via Láctea. Não há evidências de circularidade, o tempo passa em linha reta no sentido biológico individual: alguém nasce, vive e morre, e não se repete.

Tempo circular

No entanto, em termos lógicos tudo acontece infinitas vezes. Imagine se o tempo for linear: começo, meio e fim. Se houve um começo, então “antes” não havia tempo. Mas se “antes” não havia tempo, havia pelo menos um mecanismo que possibilitasse que o tempo surgisse. E quando o tempo termina, vemos uma atemporalidade com esse mesmo mecanismo. Antes do começo e depois do fim são iguais. E disso tiramos que o tempo é infinito, e que o espaço (que é o que define o passar do tempo) sempre tem chance de se dispor de uma forma que já aconteceu antes. Mesmo que a chance seja baixa, uma hora isso deve acontecer.
Isso deve ser mais fácil de ser visualizado com sinais matemáticos:
 Tempo = x Espaço = y
Se  não-x è x è não-x, então não-xèxènão-xèx=>não-x ad infinitum. E o mesmo vale para y.
Mas isso são coisas muito abstratas nas quais não se vive. É o aspecto filosófico da coisa que tem um aspecto ético que é: viva bem! Nietzsche falou bastante disso, e não tem mais o que falar disso, só redescrever.
O dualismo prescreve que exatamente o contrário de tudo existe. Então tempo é circular e linear.
Isso porque pensamos no esquema “se não-x è x è não-x, então não-xèxènão-x” numa situação x¹èèx³... e y¹èèy³... ou seja, não tem nada a ver pensar em um não-x ou não-y. Porque não são realmente nada. Melhor ir cuidar do jardim.

Conclusão: melhor ser pragmático; o tempo é circular se te agrada que o seja. Mas ele parece ser linear.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Hitler e Porta dos Fundos

O que diabos têm esses dois vídeos em comum?

Quem assiste ao vídeo de Hitler é igual ao povo que Moisés tenta iluminar no vídeo da Porta.
O espectador não nazista de Hitler tem o mesmo olhar de ceticismo dos hebreus, céticos quanto aos verdadeiros interesses de Moisés.

Se os mesmos hebreus estivessem debatendo com Hitler, falariam para ele:

"Caralho Hitler, tu tá falando merda pra caralho hein! Que porra de virar uma só nação, fazer parte da massa o quê... massa de cu é rola! Quando nada restar de nós, a gente vai levantar um pavilhão? Cê tá doidão mesmo hein? Para de transar com esses seus pastores alemães..."

Nós vemos com ceticismo o propósito de Hitler, de animar as massas, elevar seus espíritos. Após a Segunda Guerra virou feio fazer populismo a la Hitler. 
E podemos rotular o naipe do discurso de Hitler e de Moisés com uma mesma palavra: profético. Eles estão operando na mesma vibração pra conquistar sua audiência, apelando pro carisma, coisa que o Moisés não tem! 
Um elemento humorístico da Porta é esse Moisés paspalho! O outro elemento está na audiência: os hebreus ouvintes são céticos e racionais. Para eles, nada aquilo convence porque eles veem o Moisés estrategicamente, como escondendo seus reais interesses.
Nós somos iguais esses hebreus ao assistir ao discurso de Hitler: o vemos como uma estratégia para manipular as massas, convencê-las a "fazer merda". Somos céticos e racionais, e o carisma de Hitler não nos envolve. 

E QUAL ERA O POVO A SER EXPURGADO DA ALEMANHA NAZISTA? OS HEBREUS (JUDEUS).

O século XXI é o século judeu.


quinta-feira, 14 de março de 2013

Ciências Sociais e Emancipação

O verdadeiro poder emancipatório das Ciências Sociais está no olhar clínico, e não na imaginação fértil!
(pelo menos ela entretém hehe).

sexta-feira, 8 de março de 2013

H.P. Lovecraft – O estrangeiro; Análise


 "A coisa mais piedosa do mundo, penso, é a incapacidade da mente humana de correlacionar todo seu conteúdo." O Chamado de Cthullu

Estive a ler alguns contos do mestre da ficção macabra Lovecraft. Ele foi uma das referências para o escritor de horror moderno Stephen King, e continua sendo aplaudido por sua qualidade. Alguns produtos culturais modernos são decorrentes de sua obra: bandas de death metal, jogos de RPG e videogame; oferecem continuidade ao seu legado.

Um dos contos que mais chamou minha atenção foi The Outsider. Encontrei uma versão traduzida para o português à venda, em formato netbook. É um dos contos mais inspirados por Edgar Allan Poe, de quem Lovecraft era fã. 

O conto apresenta um apologia ao esoterismo, seguida de decepção em relação a este. Vejamos:

O protagonista é um ser que mora em um castelo, desde que se entende como "gente". Não se lembra de nenhuma outra pessoa, nenhum contato com outro. Sempre esteve no castelo. E nunca conseguiu sair de lá, pois era rodeado por uma floresta da qual tinha medo de se aventurar por muito tempo. Ele sabia da existência do mundo anterior por uma coleção de livros antigos, os quais lia com uma vela. Nunca tinha visto o sol: o céu era escondido por uma densa camada de árvores. Viveu na escuridão, além do fluxo do tempo.

O protagonista vivia no mundo "exotérico": do conhecimento raso, desconhecendo o verdadeiro conhecimento, a iluminação. Seu mundo era escuro, e tudo que sabia não lhe causava orgulho. O importante estava além dele (fora da caverna de Platão), e para chegar lá era necessário esforço. A verdade está lá fora. Mas não é fácil de ser encontrada! Eis o esoterismo: crer em um conhecimento de grande valor, de difícil acesso (mas que existe).

Havia apenas uma torre que se estendia além da camada arbórea. Mas era impossível subir, a escada estava quebrada...

Sem me estender sobre a história... (melhor ler o conto!) Apenas digo que a metáfora segue: o conhecimento de valor é atingido, uma grande comoção acontece. Mas e então... Pimba! Eis que o lado de fora não é tão bom assim, as verdades reveladas são contundentes, sombrias e desanimadoras (para não falar desastrosas, lamentáveis e aterrorizadoras). Tentar voltar ao mundo anterior, do estado estoico de passividade em relação ao passar do tempo, sem abalos positivos nem negativos, já não é possível: ao perscrutar a verdade, voltar para a ignorância já não é mais possível!

É um conto de mágoa em relação à realidade. Seria a verdade dura e cruel, e o melhor nos mantermos isolados dela, em nossos "pântanos de felicidade"? A literatura de Lovecraft expressa uma forte concepção de universo indiferente aos pequenos humanos que o habitam... Vários de seus personagens sentem isso na pele (vivem essa verdade). O que é fonte de loucura!


sexta-feira, 1 de março de 2013

Problema endêmico no Itamaraty: entre o erudito e o gestor


Se há um problema administrativo que o caso do “assédio moral” no Consulado em Sydney traz à tona, é o da competência dos diplomatas quanto à gestão humana. Não podemos deixar de lado o fato de o Ministério ser uma organização, com todos os problemas acarretados pela convivência “forçada” de indivíduos: dissensos ocorrem com freqüência, e viver respeitando a diversidade de personalidades é uma tarefa complexa.
Tendo isso em mente, é sensato pensar que os administradores deveriam ter um treinamento na área de gestão e recursos humanos, nem que seja do mais raso, para conseguir abarcar problemas organizacionais referentes ao capital humano. E quem são os administradores no Itamaraty? Diplomatas. E podemos ver nos editais para o concurso que não há uma exigência sequer de conhecimento na área de gestão organizacional. O sujeito pode narrar sobre a conjuntura política do Segundo Império, e estar inapto para resolver problemas reais do seu mundo de trabalho.
A falta de tato da administração superior para essa carência (preferem deixá-los “independentes”) faz surgir bizarrices como o caso do Consulado em Sydney: em que organização sensata, estaria uma pessoa como o Sr. Fontenelle “liderando” uma equipe? Claro que não é um problema só do Itamaraty, mas ele está lá de forma marcante: estamos contratando eruditos, que mais satisfazem o perfil de “solitários de escritório”, quando muitas vezes, na competência de administradores, são chamados a resolver conflitos reais intrínsecos ao mundo do trabalho para os quais não estão preparados.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Sabotage, periferia esclarecida

Sabotage, apesar de corintiano, era um cara inteligente.
Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage, ganhou voz notória no rap nacional com o CD "Rap é Compromisso". Tornou-se mártir da cena hiphop ao morrer assassinado aos 30 anos. Era o compositor e cantor de suas músicas, todas com uma temática social voltada à vida na periferia. Grande parte de sua vida passou ao redor do crime, da pobreza e da fome.

Suas letras possuem sacadas geniais, o que muitos teóricos expõem em 50 páginas, Sabota (como era às vezes chamado) resume em um verso! Vejamos algumas partes de suas letras:


"Mesmo estando ausente, haverá sempre alguém quem critique. " - Cocaína

Como o filósofo H.G.Frankfurt expressa em seu artigo depois transformado em livro "On Bullshit", na democracia muita gente pensa que deve ter opinião sobre tudo, só porque "é cidadão". A postura "não sei, não posso comentar bem sobre isso" é tão rara, não é mesmo? Quantas pessoas falam merda sobre um assunto do qual sabemos mais que elas? Julgar um estilo de vida, ou certas atitudes (quem critique), sem informação suficiente (estando ausente) é um traço comum em nossa sociedade.


"que o poder nada mais é que cedo ou tarde /ser otário / ser notável
pode crer que a justiça divina é inviolável" - A Cultura

Em uma fonte (Terra), estava escrito "cedo ou tarde", no Vagalume, "ser notável". E eu entendo "ser otário"! Enfim, todas tem uma grande força: o poder nada mais é que uma merda dessas. 
Cedo ou tarde remete ao fato do poder ser perene, ele é a base para extrair alguma coisa do mundo, como pensam filósofos como Nietzsche, Foucault e Deleuze. A Vontade de Poder é o que faz o mundo girar!
Ser otário: o poder envolve fazer alguma coisa contra a vontade de outro, ou pelo menos sem oposição (cortar uma árvore é sinal de poder em relação a ela). Se pensarmos com empatia, é otarice impor nossa vontade sobre outros! Se o que vai, volta em dobro. melhor não fazer nada com ninguém...
Ser notável: o poder na sociedade é uma convenção! É ter voz e status, nada mais! Aqui Sabotage encarna o mano do gueto defensor da periferia, chamando a riqueza econômica de algo que as pessoas valorizam sem necessidade, elas notam os ricos, nada mais, nada mais...

“todo talento tem vaidade aprendi assim” - A Cultura

O primeiro parágrafo de Ecce Homo, autobiografia de Nietzsche, é um exemplo desse enunciado de Sabotage. Você não só aprendeu, cara, você viu a verdade mesmo hehe.
No parágrafo vemos um Nietzsche frustrado por viver em uma época em que as pessoas ao seu redor estão muito atrás dele em termos de pensamento. O cara "nasceu póstumo", era pra ter nascido no século XX lá pro final. Mas não teria escrito nada, iria ficar jogando videogame e RPG.
Enfim, sua frustração convive com uma vontade de ser escutado: seus hábitos e o orgulho dos instintos chamam para isso. Senão ele não iria publicar nada não é mesmo? Outro exemplo vemos no livro O lobo de Wall Street, que irá virar filme, quando o autor fala: "a coisa mais triste desse mundo é ver talento desperdiçado".


“bem vindo ao jogo
ao dicionário marcado” - A Cultura

Dicionário marcado parece conter um grande significado. Um dicionário contém as palavras de uma língua, que sendo articuladas expressam intenções subjetivas. Mas quando ele está marcado, isso significa que há algum protocolo a ser seguido: algumas palavra são usadas (as marcadas), enquanto as outras ficam de fora. Temos uma etiqueta que não permite que alguma intenções sejam externalizadas. E lembrando que o nome da música é A Cultura. Qual o nosso limite de comunicação, senão aquele estipulado pela cultura? Todos temos um dicionário marcado na cabeça, e o dever de marcar cada vez mais palavras!
Não posso deixar de me referir à ideia de jogo de linguagem, de Wittgenstein. Em um jogo, como o xadrez, temos regras que limitam o que podemos fazer. E a que jogo se refere Sabotage? "O jogo da vida", por assim dizer, e ao dicionário marcado pelo "tabuleiro".

"cotidiano difícil" - Na Zona Sul

Talvez seja melhor se referir ao problema da pobreza dessa forma. É possível ser pobre e não viver um cotidiano difícil. Tais pessoas realmente precisam ficar mais ricas? A realidade da pobreza nas grandes cidades é muito diferente daquela do meio rural, do "agreste". Talvez o dever social não seja acabar com a pobreza, mas com o cotidiano difícil. Isso lembra um pouco as ideias de Amartya Sen desse livro: afinal, uma maior renda não significa necessariamente maior qualidade de vida. Há quem prefira morar com $1.500 por mês em Brasília a viver em São Paulo com $3.000 mensais.

"tudo esclarecido nada resolvido" - Na Zona Sul

EITA POXA!!!!!! A questão da modernização e da racionalização está contida nessa frase! Ao pensar em progresso, não podemos deixar de lado o processo "primeiro ver o problema, depois corrigi-lo". É assim que ocorre (pelo menos uma parte importante) o desenvolvimento: a racionalização implica na definição de uma linha de conduta, e passamos a ver o que não está de acordo com ela como irracional e portanto passível de correção.
Exemplo: vemos no dia a dia um monte de ação retardada do governo. Os problemas estão portanto esclarecidos. Isso já é uma (grande) coisa. Mesmo que não sejam resolvidos, o processo histórico tende a repará-los. É por isso que um gringo de país desenvolvido chega no Brasil e pode constatar sua condição de Terceiro Mundo. Já está esclarecido, mas falta resolver. Mas já é uma coisa olhar para nosso passado e ver que éramos nessa medida estúpidos. No futuro farão a mesma coisa conosco do presente.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Andando

Gostaria de estar em qualquer lugar, menos aqui. É por isso que eu ando (ou bebo uísque).

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A sociologia é inumana?

Talvez seja melhor chamá-la de "extracotidiana".


<< A ciência é o domínio do inumano, apesar de ser humana. O que não entendemos não é humano. É sobrenatural. Por enquanto >> 

Esses aforismas abrem o texto "Ciência" de Zé Will, página 188 de Self-PortraitorEm um post anterior, escrevi que ações políticas não são sociológicas, mas humanas.

Tanto nos aforismas quanto no meu post, chama-se a atenção para o antagonismo entre ciência e humanidade. Nesse caso, humanidade significa "ser membro do mundo natural". Os humanos são animais oras bolas! Nos tomando como animais, o que passa no mundo psíquico se assujeita aos ditames do mundo físico.

Nos importamos com o que um boi pensa? Ou um cavalo? Esse tipo de consideração é tomado como piada pela maioria dos homens.

A ciência só existe na nossa cabeça, enquanto jogo de linguagem. Fora disso existem sequências de ações,  a que atribuímos sentido de novo em um jogo de linguagem.

Agora pode parecer que dentro desse jogo ciência x humano, qualquer pensamento seja inumano. Mas não é o caso pois a maior parte dos pensamentos tem algum propósito prático. Não fosse assim, a maioria das pessoas não acharia chato ou cansativo "fazer ciência" ou filosofar.

A sociologia é inumana porque ela joga um jogo incomum, com poucos jogadores. As regras básicas (pragmáticas) do "jogo humano" não estão tão presentes, e quando estão, é pra atrapalhar. Nessa diferença entre a sociologia e o mundo vivo, talvez o melhor seja perguntar: e daí?

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O humor e o status

Obama contando uma piada idiota. O sujeito ao lado força a risada porque Obama é o  Presidente.


Agora há pouco Noemí, a estagiária que trabalha comigo, relatou um caso interessante:

Ela estava passando no corredor do Ministério, quando se deparou com um número expressivo de pessoas "de bobeira" no corredor. Nesse momento, o Conselheiro, chefe da Divisão na qual trabalhamos, também passava por ali e soltou uma "piada":

- É bloco de rua?

O pessoal riu.

Noemí, ao me contar essa história, comentou:

- Se fosse eu falando isso, todos ficariam assim: ¬ ¬ (cara séria) , mas como foi o Conselheiro, todos riram!


Fiquei a pensar no números de piadas imbecis que são contadas por pessoas com status, e são falsamente apreciadas!


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A sociologia é conservadora?


Zoe Crawford, ativista do PETA, se fingindo de churrasco.


Ao ler a chamada de uma notícia do G1[1], fiquei pensando no que motiva uma pessoa a participar de uma organização como o PETA. Na minha cabeça, é simplesmente ridículo tentar convencer o mundo a não comer carne e a tratar animais como a ONU quer que tratemos seres humanos.

Mais ridículo ainda é se fantasiar de “churrasco” no meio da rua em Sydney achando que vai chegar alguém e se converter, ao olhar a cena e pensar: “É mesmo, carne humana é igual a carne de boi. Melhor parar de comer”.

No entanto, cabe olhar para o sentido da palavra “ridículo” aí. Significa, em última instância, incompreensível. Não entra em nossa cabeça o porquê da atitude. “Falta do que fazer”, “perda de tempo”, são um dos clichês usados para criticar.

Mas, claro, todas nossas tramas políticas podem ser elevadas à ridicularidade! É muito fácil classificá-las como fúteis. Mas achar que temos que justificar o que fazemos é um dos grandes sintomas da doença moderna.

Olhando para o movimento Marcha da Maconha, logo falamos que há tantas coisas mais importantes, e as pessoas gastando seu tempo com isso! Também se critica o governo assim: perseguem maconheiros enquanto há estupradores e homicidas soltos por aí. Mas o mundo humano é mais complexo, muito do que acontece é mal pensado e não conseguimos justificar. O mundo moderno passou a encontrar mais idiotices correndo soltas!


É difícil entender as motivações políticas das pessoas em muitos casos[2]. Weber, ao pensar nas ações humanas, cunhou o termo wertrationalität, ou razão voltada ao fim em si, e não na relação com o meio. No caso da ativista do PETA, ela agiu pensando no seu ideal de mundo (animais e humanos amiguinhos), sem considerar a melhor forma de atingi-lo (ou considerando menos a zweckrationalität, que é razão voltada à relação meio-fim).

E realmente, pensando em nossas ações políticas (se é que temos), elas não poderiam ser consideradas ridículas? Talvez o papel da sociologia seja mostrar o quão ridículo a ação política é. Porque, se ela deu certo, a conjuntura histórica a justifica, e se deu errado, também! Poderíamos deixar a onda da história nos levar, sem precisar do esforço do nado!

Mas minha conclusão é mais clínica: não faz sentido chamar a sociologia de conservadora ou progressista. Olhando para minhas ações políticas, fica claro que elas não têm nada de sociológico. Elas têm muito é de humano! O campo sociológico é totalmente distinto do campo político, ao vermos política na sociologia, matamos ela.[3]



PS: ao terminar o texto, me surgiu uma das conseqüências de se estudar Ciências Humanas por tanto tempo (no meu caso, 8 anos seguidos até agora). As palavras vão ficando insuficientes para o que se deseja expressar! Talvez por isso que certos autores sejam tão prolixos.


[2] No auge da razão, é difícil entender QUALQUER motivação política! O budismo e o liberalismo, ambos articulam nessa direção. Mas isso fica pra outro texto...
[3] Mas claro que a frase “Toda a sociologia é política” está correta! Mas ao conseguirmos identificar as partes políticas, devemos remediar o dano ou então ignorá-lo, danificando o material sociológico.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Carta ao Professor Edson Silva


Reproduzo carta escrita, inspirada por uma discussão filosófica nauseante durante a aula :P


Você me envenenou! Impingiu meu pensamento com ventos intempestivos imoladores. E engraçado que no meio de tanta turbulência, a questão central possui certa plenitude cósmica. Não há deslocamento ou divisão nesse terreno. Ele se reproduz continuamente, e a natureza dessa substância vem dela própria. Talvez o eterno retorno do mesmo (Nietzsche) valha também para esse caso. A contingência se reproduz, e dela somente arbitramos para poder conhecer qualquer coisa! “Sem registro não há diferenciação”.

Agora, certo, isso é sabido. Mas devemos deixar isso afetar a produção de conhecimento? Será que a sociologia deve circular tanto por essa lei epistemológica? Ela não está muito separada da realidade social? O homem há muito tempo “criou” códigos, e a partir de então, soube simbolizar. Daí surgiram todas as possibilidades de ingerência lingüística. E qual o peso disso em nossos trabalhos? Quer dizer que o trabalho sociológico busca analisar tais movimentos de ingerência enquanto sujeitos a um processo sócio-histórico?

Concordaria com tal abordagem na medida em que não no esquecêssemos das faculdades do entendimento: o homem não opera na contingência enquanto sujeito da ação. Ou melhor: para operar na contingência, devemos exterminá-la! A ação pode até se operar no entorno  de sistemas, mas qual seu valor científico – epistemológico – nesse caso?
Voltando às faculdades do entendimento, esse modelo não seria uma premissa para dar partida a qualquer produção científica? A partir do momento que as reconhecemos (mesmo sem conferir legitimidade), já não desvelamos nossa qualidade de “conhecedor”?
Ou seja, a razão crítica legitima a própria razão! Os sistemas psíquicos possuem a intencionalidade como fundamento autopoiético! Como diria Wittgenstein, podemos apenas apontar para isso. Não há mais o que fazer!

AAAAAA (melhor fazer um encerramento operativo)
Bruno

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O que é metateoria?

Ontem, em uma pequena travessia de carro pela Asa Sul (bairro de Brasília), fui invadido pelo conceito de metateoria. E o que seria? É uma visão de mundo, uma << religião epistemológica >> hehe.

A metateoria abarca as teorias e as confere legitimidade. Se não seguirmos uma metateoria, as teorias ficam desacreditadas.

Exemplo: acredito que Marx e Freud estejam inseridos na metateoria do discurso biológico científico/moderno. Ou seja, suas ideias foram feitas à luz de certos axiomas/dogmas/postulados...
Vejamos alguns:
1) "Lei do mais forte" ou
"Sobrevivência do mais apto" (termo cunhado por Spencer)
2) "Seleção natural" ou
"Evolução"
3) Ações e pensamentos são gerados por sua inserção nessa conjuntura de "selva" (luta pela sobrevivência e procriação daquilo mais forte)

Assim, para Marx os fortes dominam os fracos e para Freud o sexo define muitas coisas em nossa vida!!!

[ enquanto escrevia esse texto, escutava o seguinte álbum, um clássico do rock, Frank Zappa pode ser considerado um semideus LOL ! ]


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Retrato de um assassino - Adam Lanza parte 2


Freud utilizou a ideia de ambivalência em sua teoria.


Para Freud, muitas neuras psicológicas que parecem opostas possuem a mesma raiz. Por exemplo, aqueles muito bagunceiros e os obsessivos com organização podem ter tido experiências semelhantes que precederam seus comportamentos. A isso chamamos na psicanálise de ambivalência, que “designa a coexistência de atitudes afetivas opostas frente a um objeto, e particularmente a coexistência do amor e ódio em uma mesma pessoa”.[1]
Ou seja, certa experiência pode levar a opiniões e atitudes opostas: ame ou odeie, suje ou limpe, organize ou bagunce, etc.
O caso de Adam Lanza
Adam foi criado nos Estados Unidos em uma pequena cidade. Foi um garoto tímido e introspectivo, que falava pouco e possuía fobia social. Ele era muito diferente de seus conterrâneos! O adolescente médio de sua cidade não era tão calado, possuía alguns amigos e seguia a vida social no eixo família-escola. Adam era diferente, ou acreditava ser. Não tinha o número de amigos que os outros tinham, e nem a facilidade para o diálogo. Em casa, não havia o reconhecimento dos outros (mãe, irmão, pai) como uma pessoa de igual nível, mas como seres diferentes (inferiores ou superiores, dá no mesmo!) com os quais a amizade não surgia. Somente a necessidade de convívio.
Adam conviveu com a liberdade desde sempre, pois nunca foi constrangido a mudar! Sua sociedade tolerava sua conduta diferente, como muitas vezes acontece no Ocidente (permitir a existência dos esquisitos). Sequer bullying ele sofria! Era somente deixado a ser o que era.
A liberdade extrema que Adam vivenciou levou-o a uma conclusão fatal: a morte é a maior forma de liberdade a ser atingida. A morte liberta. Ao matar vários, Lanza acreditou estar liberando eles de uma vida vazia. Afinal, pra que serve a liberdade se não há escolhas melhores, se podemos ser esquisitos e os outros não lidarem com isso?
Dessa forma, a experiência de liberdade de Lanza (sua aceitação no meio, mesmo sendo diferente) o levou à possibilidade de atingir o ápice do conceito: o poder de morte em mãos e a escolha de usá-lo (sentindo assim a liberdade), libertando os corpos terrenos desse mundo. Mas não consideramos privar alguém de sua vida a maior ofensa à sua liberdade? Ou será que Lanza está certo? – Melhor ser um morto livre, do que um escravo vivo.


[1] Fonte: http://www.universalis.fr/encyclopedie/ambivalence-psychanalyse/