quarta-feira, 20 de maio de 2015

Literatura, cognição e masoquismo

No processo de escrita criativa, isto é, de criar uma história fictícia e brincar com as ferramentas de narração e semiótica -- elaborar a possibilidade de conotação no leitor --, me deparei com duas coisas interessantes, uma delas constatação genérica sobre o contar-histórias, e a outra percepção sobre meu atual interesse literário, como leitor e escritor.

A primeira: notei ontem a grande força do preenchimento de espaços vazios na narrativa que praticamente toda literatura acarreta. Explico: tinha alguns personagens em mente, e queria caracterizá-los ao leitor. Para isso, acabei dispensando grandes detalhamentos, e mostrando alguns assuntos de suas conversas já me bastaram! Claro que aí há superficialidade, mas o leitor elaborará um estereótipo, o que é a intenção no caso. Pode-se comunicar muita coisa com poucas palavras.

A segunda: estou um atual adepto do masoquismo literário. Mire veja: algumas artes demandam ao apreciador que saia de sua zona de conforto e se coloque em uma posição estética exótica. Bons exemplos estão na música erudita contemporânea (ouça o réquiem de Ligeti). Na literatura, não se carecem de protagonistas: Guimarães Rosa, Lispector, Pynchon, Bolaño, Cortázar, etcétera.
  • O que une essas pessoas não são inovações no conteúdo, mas na forma. São modos de narração muitas vezes alheios ao costume, aos padrões cognitivos do cotidiano. Demandam uma saída da zona de conforto para que o leitor se situe em um local desconhecido, precisando se contextualizar em um território particular; são métodos e métodos de comunicação, de transmissão de mensagens. O masoquismo vem da necessidade de adaptação a um método ainda não visto, ainda estranho ao leitor. Gosto disso. Gosto de novidade.

Sobre os conteúdos, ainda estou reticente sobre "novidades". Os velhos arquétipos, supostamente os universais da narrativa e empatia humana com uma estória, aparentemente continuam firmes -- sofreram alterações em suas relações com os outros arquétipos, e.g.: um personagem que antes era o herói agora pode ser herói e bandido, conjuntamente, e é algo tolerado.

Outro ponto interessante: o chamado realismo histérico, uma tentativa, segundo o crítico inglês James Wood, de "transformar a ficção em teoria social", de contar "como o mundo funciona em vez de como alguém se sentiu sobre alguma coisa" (fonte: Wikipedia). Com meu passado em sociologia, isso me agrada bastante -- engendrar um mundo, um microcosmos do que o mundão, de fato, é.



segunda-feira, 18 de maio de 2015

Sobre a prepotência

Você, enquanto artista ou noutro tipo de ofício que demande criatividade, poderá se deparar com críticas que apontem para certa pretensão em seu trabalho, uma prepotência em fazer algo demais além de sua posição de reles mortal. Isso acontece principalmente com os iniciantes, os não aclamados. Muitas obras parecem ser inclusive apreciadas pelo misticismo em torno do seu criador -- se não fossem aclamados, suas obras teriam menor atenção.

Contudo, ninguém nasce aclamado. Digo-lhe: ignore críticas nesse sentido. Não são úteis, e mostram mais uma preguiça do crítico do que defeitos na obra. Ousadia e rompimento com costumes é vital para o desenvolvimento de novas ideias e cultivo do poder artístico. Este, certamente, não vive apenas de originalidade, mas sem dúvidas ela é uma de suas virtudes mais apreciadas.

Basta lembrar-nos de Nietzsche, Lovecraft, Van Gogh, Kafka, Foster Wallace, Augusto dos Anjos, etc. -- pessoas que "nasceram póstumas" e tiveram seu valor em grande parte reconhecido post-mortem.



P.S.: isso não serve para se achar por aí que és um póstumo. Aí é prepotência!

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Presos políticos

Certa vez um colega de faculdade me disse que "todo presidiário condenado por roubo/furto é um preso político".

Esse colega é socialista -- de alguma corrente de Esquerda que condena a propriedade privada como ato de violência irracional. Fiquei pensando na sua frase, e no que configuraria uma prisão como política.

Concluí que presos políticos são os encarcerados em razão do grupo dominante na sociedade impor sua ideologia e colocar os que desviam dela, ou que tentam tomar/minimizar o poder do grupo dominante, na cadeia. Isso fica bem claro em casos como o da Venezuela, em que opositores estão aprisionados por "conspiração" ou alguma outra desculpa para tirá-los da arena política e assegurar a manutenção do poder de Maduro e seu grupo.


Contudo, meu colega chamou condenados por furto de presos políticos. É uma opinião heterodoxa na sociedade brasileira -- quase ninguém concordaria com ele, afinal, propriedade privada é um direito praticado pela maioria. No entanto, a maioria não é juíza de certo ou errado; não é só de democracia que a justiça é feita.

Em um âmbito filosófico, podemos chamar qualquer condenação de política, uma vez que segue a doutrina de um grupo que consegue impor suas convicções para a sociedade (nem que seja um grande grupo, ainda assim ele deixa alguns de lado, no caso meu colega).
Infantilidade acreditar na lei como justiça impessoal desinteressada. Claro que reconhecer sua dimensão política não minimiza sua importância na sociedade -- a repressão e opressão* aos desviantes acompanha a história da humanidade.

No Brasil, o problema não são os presos, mas os soltos políticos.
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Acredito que devemos nos esforçar para manter o uso da expressão para casos muito desviantes, e tentar fortalecer uma cultura democrática, respeitando a vontade popular e desrespeitando quando ela vai de encontro a direitos de grupos minoritários.

Como disse São Tomás de Aquino, "uma lei que não segue a vontade de Deus não é uma lei, mas um ato de violência". Convertendo para o mundo moderno, afirmo: "leis irracionais devem ir para o lixo".

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* 'Existe uma interessante proximidade etimológica e conceptual entre "opressão" e "repressão". Se a "opressão" é entendida comummente como uma imposição - por exemplo através de uma força física ou de um exercício extremo de poder -, de uma submissão, a "repressão" remete frequentemente para uma ideia de controlo, redução e sujeição, muitas vezes associada a dimensões psicológicas de ação - como uma auto-opressão voluntária, tal como é explorada na psicanálise enquanto processo mental de inibição ou supressão de desejos. Mas, e seguindo a proposta de Marc Augé (1977, p. 29 e seguintes) de incrementar o escopo de reflexão sobre esse termo, a repressão também pode ser política, associada a problemas de discriminação, violação de direitos humanos, etc. Desse ponto de vista, a ideia de repressão incorpora uma gama mais ampla de significados do que a opressão, tendo a particularidade de individualizar a experiência hegemónica, permitindo refletir sobre o problema simultaneamente num plano político e experiencial.' Ruy Llera Blanes. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-71832012000100011&script=sci_arttext

terça-feira, 28 de abril de 2015

Sobre o Brasil

Uma leitura realista da situação do país foi-me enviada por e-mail há alguns anos por um intelectual:

"O Brasil é um país surrealista situado a centro-leste da América do Sul. Tem uma administração esquizofênica, uma economia anormal, e apresenta essa selva salarial que você menciona, graças aos espertos do corporativismo profissional.
                Vai ser muito dificil corrigir todas essas anomalias e deformações no futuro previsível.
                Para não cair na desesperança e no derrotismo, precisamos constantemente denunciar esse estado de coisas, como venho fazendo continuamente nos ultimos 20 anos, causando até desconforto entre meus pares (pois digo que sou totalmente contrário à estabilidade no serviço público, inclusive de diplomatas).
                Sou moderadamente pessimista quanto ao itinerário do crescimento economico (que vai continuar medíocre pelos próximos anos, em função da despoupança estatal e do baixo investimento), e abolsutamente pessimista no que concerne o sistema político e a deterioração da educação, sem excluir a mediocrização das universidades públicas.
                Se voce ler o que ando escrevendo, verá o que penso.

                Espero que você não perca o espírito crítico e tenha consciência de nossas deformações, que infelizmente continuarão a se agravar."

domingo, 8 de março de 2015

2 Points of Infinite Jest

This amazing 1,000-page book by David Foster Wallace crosses many themes surrounding a gapful plot. There are many theories on the Web about what "really" happens within the narrative breaks that are constant and ultimately leave us to confabulate important pieces of the story.

Two points that I haven't seen elsewhere which I believe are very important:

1. The ordinariness of the extraordinary - Hal Incandenza's communication problem.

The first chapter is in the ending of the chronology and is a kind of fuel towards reading the whole book. What the fuck happened to Hal that he can't communicate anymore? Two mainstream theories blame the mold he ate as a kid and/or the DMZ brainfucking-drug. They are plausible theories and the facts that point to them are indeed interesting. See for instance this.

However, one thing that came to mind is on page 966. It stroke me as a blast when I read it, and it was for me the final answer: I loved the simplicity:

"Hal before a match usually had a wide-eyed ingenuish anxiety of someone who's never been in a situation even remotely like this before."

Hal gets nervous in social situations where something is expected of him. He fears his brother's and mother's opinion. He is weird when the people are watching him play against Stice and before the Gala which is an important event. Finally the College admission, where Uncle Tavis and DeLint and everybody else is expecting success from him.

Simply as that: Hal is a shy guy and unprepared for the exterior world, having been alienated at E.T.A. since age seven.

2. The "romantic" message of the beginning and ending.

DFW was very reader-aware. He must have known that the reader somewhere before the final page stopped and realised that the book was going to end in Gately's digression and "dream" of the death-party of Facklemann. It is a book ending, no matter the plot's structure. 

In this part, I realised that this final story was about Gately getting an anti-narcotic shot. A powerful drug that make people lucid. He was goddamn high before this and everything was his mind getting loaded of Dilaudid.
Maybe DFW was saying that the book was a huge trip. Not very different from getting comfortably numb with drugs. It is a kind of drool, though intellectualish. The nobrow atmosphere of the book supports this. Entertainment's function is to entertain, no matter the nature of it. High-art, mass-sports, whatever - the point is to be comfortable with the moment.

The last two paragraphs are about the anti-narcotic kicking in. Gately starts getting lucid, not before seeing a nightmare of drug-addiction and effects of "Party Time". Lucidity brings him to a beach, a bucolic ending and simple as that. No more info.

This is an Epicurean message. Life is about the pursuing of moderate Pleasure. Moderate. People can't be consumed by objects, the way so many characters of IJ are. Even Mario is alienated! (Though less than others...)
Lucidity takes Gately and the reader to a beach, where Gately is simply being.

It's a very sad ending, because we know what will happen to him. He'll become addicted to rehab...

Nevertheless there is a romantic message - of how modern world kills people's souls. We can't be, we need to cling our living to objects.
Related to this and even more sad is what happened to Hal. He developed this romantic individuality.

"I am not just a boy who plays tennis. I have an intrincate history. Experiences and feelings. I'm complex." (p. 11)

Nobody in the room understands him. They represent society. Society crushes individuality. It wants robots, "Fourier Transforms of postures and little routines" (p. 966).

So, the beginning of the book is a pessimistic view of romanticism and the ending an optimistic one. What are the consequences of this upward message residing in the last sentence?

'...'

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Executivo, Legislativo e governança

Os recentes eventos envolvendo o novo Presidente da Câmara, Eduardo Cunha e sua inimizade com a Presidenta Dilma Rousseff suscitam um debate sobre o modelo eleitoral brasileiro. Temos no país uma contradição reforçada pela baixa escolaridade brasileira e sua débil politização – pouquíssimos sabem a importância do Congresso Nacional para a agenda política, e do caráter proporcional para as eleições da Casa, onde os votos são utilizados para eleger a coligação, e não a pessoa votada. Soma-se a isso o grande número de partidos de aluguel, sem qualquer programa político concreto, e um sistema que favorece a pulverização do Congresso, sem cláusula de barreira ou cadeiras extras para o partido mais bem votado, e temos uma estrutura de jogo político que desfavorece totalmente grandes reformas no Estado – deputados preocupam-se muito mais em agradar seus redutos eleitorais e maquinar suas alianças, necessárias à governabilidade. A oposição trata-se apenas de reclamar de tudo que o governo faz na esperança de virar governo na próxima eleição.

Um sábio líder chinês disse uma vez que "não importa a cor do gato, desde que cace o rato". Era o início do atual sistema chinês que faz com que o país duplique a economia a cada década. No Brasil, estamos muito longe de uma mentalidade como essa; optamos por um modelo que favorece a contradição de ideias, críticas e o conflito de opiniões e posições políticas dentro do próprio governo. Isso não significa que somos mais democráticos, mas que nossas instituições são menos sólidas. A tomada de decisão governamental é frágil. Quem perde mais com isso é a população, ao ver as políticas públicas se arrastarem a passos de lesma por conta da burocracia e instanciação jurídica. Belo Monte é um ótimo exemplo: passamos por uma crise energética enquanto a usina já poderia estar em uso.

E agora estamos em um contexto de crise econômica e ecológica, tempos que mais demandam celeridade decisória por parte do Estado. E na mesma fase vemos um embate entre Executivo e Legislativo, Dilma x Cunha. Os dois Poderes em total desarmonia. Muito provavelmente Dilma será culpada por tudo, já que o povo brasileiro não sabe da responsabilidade do Legislativo na governança. O Executivo precisa costurar uma coalizão para alavancar medidas de importância nacional. Contudo, essa coalizão demanda a satisfação de interesses particulares dos nichos políticos, que vão de encontro àquelas necessidades nacionais.


Nesse momento, a reflexão sobre modelos políticos torna-se mais pertinente. O parlamentarismo, por exemplo, aproxima mais o Executivo do Legislativo, e pode ser o que mais precisamos para garantir a eficiência das decisões governamentais. Só funcionaria, porém, se a população se conscientizasse mais sobre a importância do Congresso Nacional para a governança de um país no qual 70% da carga tributária vai para o Governo Federal.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Civilidade

Dizer que algo não é civilizado é muitas vezes desculpa para não dizer que se está com vergonha de fazer tal coisa.

p/ + info
[Norbert Elias, O Processo Civilizador]
[Vincent de Gaulejac, As Origens da Vergonha]